Sunday, June 21, 2009

As asas e o azar de Luís.



Luís queria algo a mais.
Infelizmente, a vida não correspondia ás suas expectativas.
Luís queria a felicidade. Mas queria alcançá-la com suas próprias pernas. Queria o amor de seus pais com seu próprio amor. Queria a paixão de uma namorada com seu próprio coração. Queria uma vida melhor. Uma vida que ele pudesse sentir com toda a sua alma. E unicamente com a sua alma. A vida, entretanto, parecia-lhe ingrata. A caridade que Luis dedicava ao próximo não era correspondida. Pelo contrário, seu altruísmo tornara-se o primeiro degrau para uma longa escada em que o “próximo” pisoteava-o até seu desgaste total. Luís estava insatisfeito consigo mesmo e com o resto da humanidade. Mas ele sabia que era impossível modificar a alma do ser humano. E a sua já se se encontrava no ápice da caridade. A solução que Luís encontrou para tal dilema era trágica. Mas é a solução para todos os problemas. Em frente à janela de seu quarto, Luís subiu em cima de um banquinho de madeira vermelha, colocou suavemente seu pescoço dentro do laço que fizera com uma corda áspera. A indecisão da escolha permanecera dentro dele e converteu-se em lágrimas incontidas que contornaram todo o seu corpo. Sem que Luís percebe-se, no contorno úmido por onde sua lágrima passou, pequenas penas surgiram. E cresceram rapidamente. Ao abrir os olhos, todo o corpo de Luís iluminara-se. Como se todo o sofrimento pelo qual passou tivesse se convertido em luz, em santidade. Ele sentia-se livre, puro, desprendido. Asas cresceram em suas costas. Luís, impulsionado pelo milagre, abriu a janela. Queria propagar seu milagre para o próximo. Queria fazer o bem acima de tudo. Tornara-se um anjo e como um anjo ele deveria agir. Pulou de sua janela em direção ao mundo. Suas asas acompanharam seu pulo e estariam prontas para bater vôo, se no animo do momento, Luís não tivesse se esquecido de desamarrar a corda do pescoço.

Tuesday, June 16, 2009

A Tragédia dos Comuns



Eu não tinha grandes esperanças naquela época.
Eu simplesmente seguia o fluxo das minhas vontades.
Entretanto, com o tempo, percebi que viver a vida de outras pessoas não era satisfatório.
Desde então passei investir na minha própria vida.
Se eu fumo três maços de cigarro por dia, não é por luxo, mas vontade de antecipar a minha morte. A minha morte. Hoje em dia, eu vivo por mim mesmo.
Antigamente as pessoas me afetavam. Comentários, críticas e elogios me abalavam. Tamanha vulnerabilidade me constrangia. Não que alguém soubesse da minha predisposição comportamental. Era uma vergonha interna, que me doía por dentro. Como seres tão inferiores, tão mesquinhos eram capazes de influenciar tanto a minha vida? A desonra dominava a minha mente.

Meu pai era um policial aposentado. Seus comentários preconceituosos, sua agressividade e sua soberba foram herdadas por mim. Está no sangue. Até hoje, depois de tudo o que já aconteceu, eu não me arrependo dos meus atos e das minhas palavras. Certo tipo de gente realmente não merece consideração. Mas isso não vem ao caso. Não agora.
Além da avareza, também herdei de meu pai sua pistola. Era uma pistola gasta. Tinha manchas de sangue. Sangue tantas vezes jorrado nas delegacias em que meu falecido pai trabalhava. Comecei minha carreira de escrivão nessas mesmas delegacias. Eu vi o inferno e o demônio naqueles lugares. Corrupção do diretor, brutalidade dos presos. Passei cinco anos escrevendo testemunhos e boletins de ocorrência. Pedi demissão. Eu enlouqueceria se ficasse lá por mais tempo.

Naquele mesmo dia, eu peguei a arma de meu pai. Muni-a. Apertei o gatilho para testá-la. A partir de então me tornei um assassino conhecido. Eu entrava no metrô. Quando via desrespeito, crianças sentadas em lugares reservados e idosas em pé, eu apontava e disparava a arma. Antes que os policiais me pegassem, o vagão inteiro já estava morto. Eu era rápido. Eu era brutal. Ninguém que entrasse na minha mira escapava vivo. Nem homens, mulheres, idosos ou crianças. A maldade já nasce com o homem. E morre com ele. Quanto mais rápido um homem morre menos mal ele faz. Eu cuido para que isso aconteça. Eu tornava real a ameaça de extinção humana. Eu atirava em escolas, igrejas, edifícios comerciais, telejornais, discotecas. Eu era grande. Eu era veloz. Ninguém relava em mim. Acho que matei entre 500 e 700 mil pessoas. Comparado com a população mundial, não foi um grande número de mortos. Uma lastima. Infelizmente, minha afinidade com capitalistas e socialistas não era suficiente para o recebimento de armas de destruição em massa. Se com uma pistola velha eu fiz o que fiz, o que eu não teria feito com bombas nucleares!

Tardaram a me encontrar.
Em parte pelo medo dos próprios policiais. Em parte pela falta de testemunhas vivas, e confiáveis, que pudessem descrever meu rosto.
Eu disparei balas certeiras por quinze anos. Sem sobreviventes.
Entretanto, em uma segunda-feira de manhã, esse fato foi revertido.
Acordei tarde. Eu estava desempregado, com fome e cansado. Mas me recusava a procurar emprego. Evitava receber ordens, pois caso elas me irritassem eu seria incapaz de responder adequadamente. As balas responderiam por mim. Eu raramente conversava com as pessoas. Era um estorvo. Por isso eu atirava nelas. Evitava discussões e ressentimentos. Mas eu precisava me alimentar. Ainda tinha algum dinheiro no bolso, me dirigi a padaria. Armado, como de costume. Mas não pretendia atirar em ninguém. Se o padeiro morresse, demorariam a encontrar outro e normalizar as vendas. Eu tinha fome, não tempo. Enquanto eu caminhava, notei que todos os olhares ao meu redor se dirigiam a mim. Abaixei a cabeça. Minha alma corrompida impedia que eu olhasse nos olhos de outrem. Segui firme até a padaria. Na esquina, eu pude perceber que uma viatura e dois policiais patrulhavam a rua. Eles também perceberam a minha aproximação. Me interrogaram. Pediram documentos para, posteriormente, confirmarem a minha fama. Eu percebi que haviam descoberto quem era o grande assassino. Era eu.

Atirei nos dois policiais, mas não pude impedir a multidão que se aglomerava ao redor da viatura. Pela primeira vez na vida, senti minha mão vacilar. A expressão ambígua nos rostos das pessoas, que se aproximavam a passos de gigante, impedia que eu atirasse. Eu sentia que algo estava prestes a acontecer. Algo importante. Empunhei a arma. Mas eu e todas aquelas pessoas sabíamos que eu seria incapaz de atirar. Ainda que, provavelmente, todas estivessem ali para vingar a morte de algum ente querido. Provavelmente eu deixei alguma vítima viva. Maldita! Quando eu encontrar esse verme, não repetirei o erro novamente. Se eu saísse vivo daquela situação. Mas elas se aproximavam. Eu sentia a morte me espreitar. Ouvia a respiração densa delas. Senti algo puxando meu braço. Senti a morte me puxar. E então, os fatos que se seguiram me pareceram como uma alucinação coletiva. Como se uma venda houvesse caído de meus olhos. A expressão ambígua nos olhos delas... era uma expressão de alegria. Elas estavam felizes em me encontrar? Nenhuma delas estava armada. E os fatos novamente se inverteram a meu favor. Elas se aproximaram e disseram que queriam seguir meu caminho de sangue e destruição. Estavam descontentes com o mundo e consigo mesmas. Queriam uma vida melhor, ainda que essa vida lhes levasse diretamente a morte. Elas me queriam. E eu vi, naquele pequeno exercito suicida, a bondade que faltava nas vítimas que eu matei. Percebi que, ainda que a grande massa seja asquerosa e mesquinha, uma parte da humanidade merece amor. E as nutri em meu peito. Ensinei-lhes a rápida brutalidade com que deviam matar suas vítimas. Mas também lhes esclareci que, com uma arma na mão, eles nunca sairiam vivos donde quer que fossem. Eles incorporaram meus ensinamentos. Me adotaram como seu Deus pessoal. E agora eu os guio em direção ás cidades. Em direção ás pessoas. Em direção ao mundo. E eles, por sua vez, levam as pessoas à revelação de que o mal será julgado e exterminado. Como sempre deveria ter sido. Como um pastor que leva seu rebanho em direção da paz e da verdade. Como Deus e como o resto da humanidade.