Friday, August 07, 2009

Medalha.



Uma mosca sentada sob minha perna engessada.
Eu levei cinco tiros, duas facadas, tive quatro dedos amputados e fui espancado até meus olhos não enxergarem mais a luz do luar.
E minha grande medalha é uma mosca sob a perna que ainda está machucada.
Ao meu lado, uma navalha. Sua lamina luminosa pulsa para mim. Como um código militar para algum grande plano... Que não funcionará.
Duas cartelas, vazias. Esses remédios me mataram lentamente, várias vezes ao dia, por dois anos. Agora me matarão nova e definitivamente.
Os amigos que eu não delatei me apagaram de suas listas telefônicas. Se é que o número de meu telefone já esteve nelas. E agora, eles vangloriam-se de terem salvado suas próprias vidas, enquanto eu os carregava em minhas costas.
O sol não brilha com a intensidade de antes da guerra. A luz cinza afaga meus sonhos quebrados e minhas desesperanças. Dois filetes de sangue banham meus braços repletos de hematomas e cicatrizes antigas. Hora do almoço. Eu poderia comer essa mosca. Não me importaria. Mas quero morrer puro. Livre dos ressentimentos e mágoas. Livre de toda a zombaria, a ingratidão, o altruísmo fatal em que me joguei para desprender poucos das garras da morte. Agora, é a minha vez. Eu ainda sinto a dor agitar minhas veias, mas o transe anestésico dos remédios me faz esquecer minha existência. Me faz esquecer das desavenças e de meu orgulho ferido. Tão ferido como meu corpo, como minha alma, como o meu país... E agora, o grande final para o deleite das trincheiras, da vala de cadáveres que aguarda ansiosamente o fim de meu sofrimento e dos inimigos que se aglomeram ao redor de meu território. A minha baixa.