Thursday, March 23, 2017

Calor na sombra


Os dias são trazidos até mim por uma brisa alcoólica. Chegada a véspera da véspera do  meu pesar, o mundo adquiriu um peso insustentável até para as divindades que comprovadamente me rodeiam. Chegada a véspera da minha vergonha, os dias se tornam mais escuros do que a cor negra, não há luz que passe por entre tanta treva, não há esperança que resista neste breu. Aos sons de uma época melhor, de antes da tormenta, de antes da glória e da redenção, o sopro da nostalgia bate por meu coração. Os dias têm sido inalcançáveis e sombrios, tão distantes de mim como a minha honra perdida, tão distantes de qualquer felicidade quanto eu estou de você agora, ainda que ainda te ame com todo o meu coração que não suporta mais estar vivo. Estou tão longe de onde qualquer ser humano pudesse estar, todas as minhas palavras, mesmo essas, são incapazes de exprimir o vazio que cresce como um câncer em mim... e para o qual não há tratamento e nem cura, para o qual as rezas mais abençoadas soam como piadas, para o qual a Terra e o planeta e a vida se resumem a coisa alguma. Eu, que não acredito em nada, passei cada segundo dos últimos seis meses rezando para todos os santos que cresci tentando crer e para todo aqueles que nunca acreditei em busca de paz e sucesso. Forjei um contrato imaginário com o primeiro que me ouvisse, em busca de paz e sucesso. Mesmo assim meus dias se arrastam pela lama e humilhação, pelas palavras afiadas até daqueles pelos quais me sacrifiquei. Mesmo essas palavras que falo agora serão silenciadas pelo cotidiano da vida, serão um grito de socorro emudecido no seu dia. A vida se tornou uma lobotomia. A vida se tornou um lapso eterno de toda aquela rejeição infinita que permeou minha infância, permeou meus últimos  empregos, que permeia a minha alma e que me dão vergonha por ter nascido, quando todos diziam que eu não deveria ter feito isso. Nunca deveria ter feito isso. Eu entendo vocês e sinto muito pelo inimaginável transtorno que tenho causado há 25 anos. 25% de uma vida. 25 anos, 10 anos do ápice dos meus dias e enfim é chegada a hora de limpar os mofos que tomaram conta  dos monumentos que tanto admirei, é chegada a hora de me limpar das fezes e do sangue acumulados em minha pele, 25 anos... o meu mundo está chegando ao fim.

Sunday, January 29, 2017

Ceticismo


Passados três meses após o mundo ter desmoronado alguns destroços ainda caem na minha cabeça. Durante todo esse período cultivei expectativas com o afinco de um jihadista, não colhi nada e meu paraíso prometido parece indescritivelmente sombrio. Não vejo nenhum futuro no qual eu prospere, não vejo nenhum sinal de sucesso nos próximos anos, não vejo nada além de fracasso, derrota e humilhação. De todas as esperanças restaram apenas um desânimo vazio e uma sonolência azul, eu me aconcheguei no desespero e me tornei cética à qualquer tipo de felicidade. Aquela menina que tinha tantos talentos, tanto potencial, na qual depositaram tantos sonhos, hoje reside debaixo do cobertor na cama da namorada que a sustenta. Mesmo aqui debaixo, a luz é rala. Todas as cabeças cortadas, as mentiras contadas, o sorriso forçado... todos riem do meu esforço agora. Não há mais nada que eu seja capaz de fazer, não há nenhuma luz no fim deste túnel. As coisas se acabam, as coisas se desmoronam e eu continuo incapaz de levantar. Todas as peças se encaixam para mostrar que eu não me encaixo nelas, que não estou inclusa. Continuarei nessa residência quente e discreta, escondida de tudo o que me cerca e dormindo o dia todo para me esquecer que estou viva...