Eu, como bastarda, cresci igual a um animal. As pessoas não
cuidam de animais, pois sabem que o esforço não vale a pena, e estão certas. Eu
cresci na imundice, na sujeira e no isolamento. Era difícil de falar, era difícil
de entender o que me falavam e sempre fui um grande exemplo de como não ser. Me
chamavam de suja, de imunda, me comparavam aos porcos no chiqueiro. Eu me
lembro de tudo isso. Mas nunca me falaram que eu deveria me limpar e como
deveria me limpar. Acabei crescendo com a mente imunda, presa nas tripas e nas
entranhas dos porcos que eles matavam. A mente vermelha e os grunhidos de
agonia. Como eu era um amontoado de lixo, que nem ao menos tinha o mesmo sangue
que o deles, não costumavam tocar em mim. Lixo é nojento, ninguém quer o lixo
por perto, ninguém quer olhar para o lixo. Mas estou sendo injusta... Meus “primos”,
aqueles que tiveram a sorte de nascer na gloriosa estirpe daquela família, não
gostavam de ser abraçados e então, quando os pais deles queriam ensiná-los como
deveriam se comportar ao serem abraçados, eles me abraçavam e falavam “Viu? É assim
que você tem que se comportar” e me colocavam rapidamente no chão para abraçar os verdadeiros herdeiros.
Eu gostava de abraços naquela época, mas agora perderam a graça. Me deixavam sem roupa na
puberdade, no quintal, enquanto todos estavam vestidos e jantando. A vida é
maravilhosa. Deveriam ter me amarrado, só os gritos não foram suficientes. Eu
fui um bom exemplo nisso, um exemplo de como ser subordinada e educada. Minha
mãe sempre me disse: “sempre seja gentil com as pessoas, pois elas têm
sentimentos, não as magoe” e ela dizia mais “cresça e seja melhor do que eles,
consiga muito dinheiro e mostre a todos que estavam errados”. Bom, eu não
consegui nenhum dinheiro, mãe. Eles estavam certos, sobre tudo. Eles estavam
certos sobre o animal que eu sou, o saco de lixo que deve ser incinerado. Você sempre soube disso, desde o meu nascimento você sabia que eu estava destinada
ao fracasso. Todas essas garrafas, todos esses maços e as cartelas de
comprimidos. É engraçado como o mundo molda o seu pensamento... Eu sempre
acreditei que merecia passar por tudo isso porque eu era uma bastarda e
bastardos deveriam ser tratados do jeito que eu fui tratada, como pessoas de segunda
classe, como estorvos... Sempre achei que eles estavam certos e eu estava
errada. Até que um dia me falaram “você sofreu muito”...
E então eu percebi que eu não era a agressora. Mas acho que o estrago é muito
grande. Talvez até houvesse chances para mim se a criação tivesse sido
diferente. Mas agora isso já está no meu corpo, na minha mente... Não há mais
nada para fazer. Eles queimaram tudo o que eu tinha. E eu, como lixo, tenho a
obrigação de contaminar a todos. Mundo, mundo, vasto mundo... Prepara-se.
Ninguém estará a salvo enquanto eu existir. Alimentem-se bem, por favor, pois
eu me alimentarei de vocês. Da sua carne, dos seus medos, dos seus olhos...
vocês não estão seguros.
Friday, July 03, 2015
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