Thursday, December 10, 2009

Auto-Biografia de Bolso



Viver
E transformar o erro em constante
Crescer
Com as mãos em um eterno volante
Esquecer
Das dores, mas ainda se arrepender
Entender
Que as falhas logo irão se ascender
E crer
Na freqüência dos acertos
Em momentos dispersos
Às vezes tão pertos
Ainda assim nunca certos

Acreditar
Que ela há de voltar
Conhecer
A verdade e se enganar
Perder
Esperando reaver
Encontrar
E ainda assim não querer

Sonhar
E acreditar na esperança
Acordar
Com o frio na lembrança
Sorrir
Mesmo sem querer
Esquecer
Querendo morrer
E viver
Ainda que não se saiba por quê

Friday, October 16, 2009

O Outro Lado do Paraíso




I.
Aquela menina mirrada, pálida, não era muito sociável mesmo quando sua mãe ainda era viva.

A casa era pequena. Resumia-se a um quartinho minúsculo, uma cozinha de paredes verdes e o banheiro.

O imenso zelo que sua mãe lhe destinava tornou-as possuidoras de uma auto-suficiência recíproca. Não precisavam de nada que não houvesse dentro de sua pequenina casa.

Quando a mãe morreu, a menina dispensou o enterro. Repousou o corpo de sua amada mãe na cama e deitou-se nos anos desperdiçados que vieram em seguida. As primaveras, os invernos eram assistidos pela janela de madeira vermelha. O olhar inerte da menina acompanhava o dia por um feixe de luz empoeirado que se desprendia da janela e circulava todo o quarto. Todos os dias. Anos de sonolência. Sua morbidez voluntária só foi despertada quando o vitral da janela trincou com o frio seco das manhãs de segunda-feira. Os estilhaços, como se guiados por uma divindade, atingiram-na o rosto e um fio de sangue escorreu, delineando seus traços e manchando de sangue o lençol desbotado da cama. Levantou-se.
Olhou-se no espelho. Seu corpo havia crescido e seu rosto esticado. Sua total inabilidade com os seios que surgiram brandamente entre suas costelas a constrangia. Pêlos.

Enquanto distraia-se com suas mudanças, lembrou-se do motivo que a fez renegar seus anos de infância. A beleza que sua mãe ainda conservara nos primeiros meses de morte fora levada com os anos. A maciez de seu rosto foi lentamente evaporada pelo ar gasto e abafado do quarto. Mas os cabelos castanhos continuaram crescendo. Contrapondo-se aos cabelos negros da filha de olhos igualmente sombrios. Olhos que sabiam o segredo de todos os detalhes do que quer que fosse, mas que se cerraram para a vida. A casa escura e mofada coincidia com sua aparência e lhe tornava invisível ao caminhar por entre os cômodos. O quarto dava para a sala, que dava para a cozinha, que dava para o banheiro. Ao avistar a porta que separava a cozinha do resto do mundo, uma súbita curiosidade abateu-lhe.

Durante todos esses anos, ela havia se esquecido que existia um mundo fora de seu mundo. E o mundo lá fora também havia se esquecido da existência daquela menina, assim que ela fechou a porta de sua casa de paredes verdes, após a morte de sua mãe.
O desconhecimento era tamanho que quando já desperta, ao abrir o feixe que trancava a porta e permitir que os raios de sol delineassem seu rosto precoce, a rua inteira petrificou-se. De uma esquina a outra, todos os olhares voltaram-se para ela e, como em coro, o espanto que sua aparição causara retratou-se nas faces douradas da vizinhança. E a contagiara. Por um instante vacilou. Quase se trancou novamente dentro de casa. No instante seguinte, contudo, o espantou transformou-se em curiosidade.

A garota repousou seu pé nu na calçada suja e, vagarosamente, como se evitando chamar a atenção, caminhou até a esquina. Sua casa encontrava-se exatamente no meio do quarteirão. Não era uma rua extensa, mas sua caminhada durou tempo suficiente para que os boatos começassem a se espalhar pela vizinhança. Seu vestido branco chocava-se contra o vento insistente. Seus passos delicados, quase flutuados, lhe davam uma aura divina. Como um anjo, uma santa ou um demônio. Ou, até mesmo, uma criatura não-identificada, cuja aparição inédita causava tremor até no místico mais experiente.

Ao chegar à esquina, entre tantas atrações, a garota interessou-se justamente por uma pedrinha solta na rua de terra batida. Agachou-se e segurou-a. Contemplou seus detalhes. Logo em seguida, saciada sua admiração impulsiva, retornou a pedra ao seu lugar de origem. A essa altura, os moradores já se aproximavam. Ela, assustada com o cerco, voltou, com passos apressados, para sua casa. Trancou a porta.

Acalmados os ânimos, as pessoas voltaram a seus bancos, janelas e calçadas para logo em seguida apreciarem um fato que mudaria a maneira como encararam aquela garota.

Um menino cego e magro, constantemente atormentado pelas outras crianças por conta de sua deficiência, corria com o rosto empapado de sangue. Atrás dele, pedradas. Em seus passos bruscos, não percebeu o degrau entre a rua e uma casa. Tropeçou. A pele de seus joelhos ralou-se no atrito com a calçada. As pedras não cessaram. Uma criança segurou a pedra que a garota havia tocado e, brutalmente, atingiu a cabeça do garoto. O sangue jorrou e, em poucos segundos, todo o seu rosto estava coberto com uma mascara liquida e vermelha. O menino abriu os olhos. Enxergava. Olhou atentamente para o rosto de cada criança. E dirigiu-se a delegacia para dar queixa. O grupo de crianças perguntara-lhe como iria descrever seus agressores. O menino virou-se e descreveu o rosto do garoto que lhe havia dirigido a pergunta.

Os vizinhos, alarmados com tal cena, logo perceberam que haviam presenciado milagre incumbido à garota daquela casa verde. Tumulto.



II.
Em regiões demasiado provincianas, as superstições afagam as mentes cujo mistério se instala. A garota não sabia disso. Sequer saberia que a pedra, ao receber o toque macio de suas mãos finas, tornar-se-ia objeto de exaustivo culto.

As anciãs, conhecidas pela cidadezinha como infinitamente sabias e incapazes de cometer previsões falhas, ao avistarem a multidão que se aglomerava ferozmente em frente à casa da garota, se dirigiram até o local e, discretamente, previram que “a sujeira que a sola de seu sapato deixou sobre essa calçada, logo se converterá em sangue”. Foram ignoradas.

O tumulto era tamanho que mulheres grávidas solteiras caiam ao chão da porta verde e entravam em um frenesi profundo. Como se, ao respirarem o mesmo ar, ao tocarem na mesma maçaneta que a garota tocara a poucas horas, estariam curadas do mal que crescia dentro de seu ventre. Os camponeses ajoelhavam-se em frente à janela e rogavam por chuva. Os comerciantes faziam promessas de caridade caso adquirissem empréstimos financeiros. Outros pediam por emprego. E alguns, ainda, rezavam por uma esposa.

Os ânimos exaltados, os gemidos de transe e as cantorias ecoavam pela casa, despertando a atenção da garota que, após o choque inicial, voltou a deitar-se na cama. Levantou-se. Dirigiu-se até a porta. A cada passo que dava em direção da entrada, os gritos aumentavam. Ao tocar a maçaneta, a semelhança e tonalidade das vozes deram-lhes um som de grunhido, como um coro de gemidos e implorações cuja insistência, que a principio devia ser bela, tornara-se asquerosa. Porém, a bondade da garota transbordava sobre seu nojo.
Abriu a porta. Homens, mulheres, crianças, idosos caíram sobre seus pés antes que ela pudesse passar. As lágrimas sinceras que escorriam pelo rosto dos devotos tocaram seu coração. Afagou suavemente os rostos próximos de sua mão. As letras macias que escaparam da boca da garota se propagaram pelos ouvidos próximos e, de maneira gradual, converteram-se em palavras graciosas. “Em que posso ajudá-los?”. As faces se iluminaram.

Como é típico da humanidade, os pedidos jorraram comodamente das bocas dos crédulos e inundaram os ouvidos da garota. Ela, que desconhecia seu próprio milagre, pasmava com as impossíveis suplicavas que lhe eram direcionadas. Argumentava que não era santa. Dormira por muitos anos e, agora, ignorava os problemas do mundo. Os devotos, incapazes de aceitar que o milagre que viram pudesse ser desmentido, insistiram que a garota tomasse suas dores. A violência das exigências aumentava com suas negações.

A desordem tomava dimensões gigantescas. Uma das crianças que, a princípio, se jogou aos seus pés, décadas depois, continuaria afirmando que, aproximadamente, oito mil pessoas aglomeraram-se em torno da casa da garota. E ela, apavorada com o assédio agressivo que os devotos empregavam, pedia a eles que acalmassem os ânimos. Que se acalmassem para poderem negociar em paz. Ouvidas essas palavras, uma das devotas cuspiu sua proposta. Um teste para provar a santidade da garota. Que aceitou.



III.
A sugestão da senhora veio a calhar. A garota apenas seria obrigada a suportar a companhia de uma adolescente problemática que, de acordo com a devota, coincidentemente a mãe da menina, fugira do convento e se recusara a rezar nas missas daquela pequena cidadezinha. Se a garota fosse capaz de modificar o comportamento da menina, então estaria provada sua irrefutável santidade. Se não fosse, os devotos a deixariam em paz, como ela tanto desejava. A multidão acalmou-se, cedeu à garota duas semanas de teste. Durante esse período não a incomodariam.

Ás 19h em ponto, a devota e sua filha bateram à porta verde. A garota, enxugando-se de seu primeiro banho em anos, as atendeu timidamente e ofereceu-lhes café. A devota, aterrorizada com tal ultraje, lhe explicou que não se oferecia café após ás 16h naquela cidade. Era pecado. E a perdoaria unicamente por sua inocência perante os males do mundo. A garota, sem compreender com exatidão os motivos da recusa, pediu-lhes que se sentassem.

Em sua sala empoeirada, havia apenas uma janela, um tapete e a antiga poltrona cujo desbotamento dos anos sem uso impedia que em suas linhas apagadas se reconhecessem a maciez do couro. A devota acomodou-se prontamente e sua filha, discretamente, sentou-se no ombro da poltrona. A mãe, incomodada com o silêncio que emanava da falta de intimidade entre elas, pôs-se a desaguar as incontáveis desonras pelas quais sua filha a fizera passar. A garota, que até então ignorara a existência da menina, abismada com a dramaticidade que a mãe empregava ao falar de sua própria filha, voltou seu olhar a menina. Os cabelos compridos e castanhos, o corpo esguio, as sardas que realçavam seu olhar denso, atingiram a garota de modo brutal. Como era possível que alguém com uma aura tão angelical pudesse ter incendiado a casa dos avôs no ultimo domingo de páscoa, como dissera a mãe? Chocou-se com a intensidade dos fatos contados. Seu espanto era tamanho que interrompeu a devota e perguntou diretamente a menina se tudo aquilo era verdade. A menina balançou a cabeça em sinal positivo. A garota perguntou por que ela fizera tudo aquilo. A menina calou-se. E a devota pôs-se a esbofetear sem trégua a menina. “Eu lhe digo por quê! Essa menina é um demônio! Quem dera se estivesse possuída, já chamei os melhores exorcistas, nenhum conseguiu mudar seu comportamento. Menina estúpida!” e a crescente violência dos golpes arrebentou a sobrancelha da menina. As gotículas de sangue que escorreram assustaram a garota que, rapidamente, lhe deu um lenço úmido para enxugá-las. A mãe, pasmada com sua própria agressividade, pediu desculpas enquanto beijava a ferida de sua filha. Pediu a garota para não comentar com a vizinhança sobre aquela cena. Seria o fim da inabalável reputação da devota. A garota concordou e voltou-se novamente a menina. Surpreendeu-se com a passividade com a qual ela encarara a cena. Nenhuma lágrima, nenhum grito ou gemido de dor. Ela pareceria petrificada, se seus olhos não estivessem em constante vislumbre pelos detalhes da sala. A garota perguntou-lhe seu nome. “Laila.” A mãe, impressionada com a facilidade com a qual a garota arrancou-lhe, sem violência, as palavras, anunciou sua retirada, confiante na santidade da garota. A garota abriu a porta e, educadamente, agradeceu a visita. Voltou à sala.


IV.
Incapaz de acreditar que seria obrigada a passar a noite com uma total desconhecida que aterrorizava até seus entes queridos, a garota fechou os olhos e suspirou profundamente. “E o seu?”. A garota virou-se e, encabulada, respondeu que se chamava Alicia. “Me oferece uma xícara de café, Alicia?”. Confusa com a contradição entre tal pedido e o “pecado” ao qual a devota havia se referido, dirigiu-se a cozinha. Laila a seguiu. “Como agüentou ficar trancada nessa casa mofada por tanto tempo?”, perguntou maliciosamente a menina. “Eu não me lembro. Ás vezes até esqueço de que eu estive viva por todos aqueles anos.” E cerrada sua boca, o silencio pairou novamente sobre a cozinha.

Alicia não estava acostumada com as palavras. Passara tanto tempo deitada que se esquecera de questões como cordialidade, educação ou moral. Lembrava-se que sua mãe insistia que cordialidade, educação e moral não passavam de facetas desnecessárias quando se tem consideração pelo próximo. A garota, ainda que louvasse os ensinamentos de sua mãe, não queria ter consideração pelo próximo. Alicia gostaria de ficar sozinha. Eternamente sozinha. Como estivera há pouco tempo. Não desejava o mal para a humanidade, apenas gostaria que a humanidade esquecesse que algum dia ela havia pisado no planeta Terra.

Laila não se esquecera do café e tomou a xícara da mão de Alicia. “Mas que lentidão”, e adicionou dois cubos de açúcar. Alicia, um tanto irritada com o comportamento da menina, voltou-se a sala. Sentou-se na poltrona em que até pouco tempo a devota estivera sentada. E, ao lembrar-se de tudo o que acontecera naquele infeliz dia em que decidiu levantar-se, sua memória tornou-se embaçada.

Por um momento, ela se viu perdida. Desorientada. Correu para o quarto. Viu o cadáver mumificado de sua mãe. Pôs-se a chorar desesperadamente. Alicia sentia que todas as dores do mundo caíram sobre ela. Se sua mãe pudesse ouvi-la. Se pudesse dizer-lhe o que fazer naquele momento. Mas sua mãe não podia.

Laila avistou a porta aberta e, sem constrangimento algum, entrou despreocupadamente quarto adentro. Com um ar abatido, ela perguntou a garota o que estava acontecendo. “É tão horrível assim respirar o mesmo ar que eu?”. Antes que pudesse terminar de pronunciar suas palavras dramáticas, Laila se deu conta de que, embaixo do mesmo teto em que interpretava para Alicia, um cadáver também compartilhava a cena. Tentou gritar. Mas o turbilhão de espanto que se apossou de seu corpo só pode ser percebido pelo choque em seus olhos. Calou-se.

Alicia, desabituada com os receios do mundo, perguntou a Laila se estava tudo bem. Não obteve resposta e, seguindo a direção para onde se voltavam os olhos da menina, percebeu que a presença do cadáver de sua mãe causara tal reação.

Alicia compreendeu o estado da menina. E, guiando-a pela cintura, levou-a de volta a sala. Acomodou Laila na poltrona. Perguntou se ela queria um copo d’água, mas lembrou-se de que o café ainda estava quente na cozinha. Alicia, constrangida com a palidez da menina, acariciou seu rosto. Encostou, delicadamente, na ferida que a mãe abrira em Laila. Perguntou se doía. Laila, com um profundo suspiro de alivio, moveu a cabeça em sinal negativo. Indagou, timidamente, à Alicia porque ela matinha um cadáver em sua cama. A garota, por consideração a Laila, pôs-se a dar os detalhes, em monossílabos, de sua vida adormecida. Contou-lhe sobre a morte de sua mãe e o total desinteresse pela existência que tomou conta dela após esse fato.

Quanto mais a noite caia, mais as duas se entretinham com seus desastres pessoais. Laila contou sua história, seus motivos. Disse que, por mais que se controlasse, não conseguia não fazer o que almejava fazer. Suas vontades dominavam o seu ser e ela era incapaz de impedi-las. Se estivesse de fato possuída, com certeza, seus desejos seriam os demônios. Riram por horas seguidas.

Sem que percebessem, a afinidade entre as garotas deu ao quarto uma aura intima. Como se todos os móveis, a cama, os lençóis e a tranca da janela aguardassem que o infalível acontecesse. Após uma noite agitada, o sono as abateu. A cama era pequena, estreita e só acomodara a mãe e Alicia por tanto tempo pela total inatividade física de ambas. Mas agora, com a animação de Alicia, tornara-se difícil compartilhar o mesmo colchão sem encostar-se ao corpo de Laila. Laila não se incomodava. Pelo contrário. O silêncio que retornara ao quarto aconchegava seus corpos. As inevitáveis carícias começaram ás 3h da manhã e duraram até o primeiro raio de sol atravessar o feixe de madeira no qual Alicia olhara toda a sua vida. Timidamente, Laila arriscara o primeiro beijo. O toque dos lábios quentes, as mãos macias delineando mutua e inexperientemente as brandas curvas por debaixo das roupas. E as roupas, incapazes de conter os ofegantes desejos que brandiam da pele daquelas duas garotas, esquivavam-se sem grandes dificuldades. Da mesma maneira que as horas também se esquivaram entre beijos e suspiros. A escuridão noturna diluiu-se gradativamente nos insistentes raios de sol. E ao acordarem, com a manhã encostada em seus corpos, a luz iluminou a ternura e o conforto despertos em suas almas.



V.
A gulosa ansiedade da mãe a impediu de aguardar até à tarde para rever a filha. Ás 9h, a devota já se postava em frente à porta de madeira verde e, com seu incessante bater de palmas, as garotas deslizaram de seus afagos matinais e apressaram-se em atendê-la.

A felicidade que irradiava do rosto de Laila surpreendeu a devota. Alicia a convidou a se sentar na mesma poltrona de couro da noite anterior. Laila, cuja alegria exalava em frases acaloradas, perguntou à mãe como ela estava. Os detalhes de seu fim de noite, seus sonhos, se dormiu bem, se tomou o café da manhã. E a mãe, convicta da cura de sua filha, agradeceu de joelhos á Alicia. “Curada! Finalmente curada!” gritava a devota pelas ruas da vizinhança, atiçando aos crédulos que ainda não haviam realizado seus desejos.

Laila se despediu de Alicia com muito amor e pouco tempo, enquanto sua mãe a puxava para comprovar sua prodigiosa mudança de comportamento frente aos curiosos olhos da cercania. Alicia, com um inapagável sorriso de contentamento, deu um discreto beijo nos lábios de Laila. A devota mostrou-se um tanto incomodada, mas, por gratidão, evitou manifestar-se sobre o gesto.

Sedenta de milagres, a multidão do dia anterior se aglomerara novamente. Alicia, infinitamente venturosa, pôs-se a atender a todos os pedidos que lhe eram direcionados. Ela curou enfermos, indivíduos cuja insustentável sabedoria os enlouquecera. Deu força a pernas paraliticas. Como de praxe, fez com que crianças cegas voltassem a admirar o mundo ao seu redor com seus próprios olhos. Ressuscitou idosos à beira da morte. E, ao fim do dia, levitou entre as casas da vizinhança para o deleite visual do público presente.

Seu cansaço a surpreendia. Pediu, atenciosamente, que os devotos remanescentes voltassem no dia seguinte que ela atenderia, com prazer, aos seus pedidos. Perante os indefinidos murmúrios de descontentamento, Alicia fechou a porta.

Dirigiu-se ao quarto e deitou-se, desajeitadamente, em sua pequena cama. Suas mãos precoces tatearam o colchão em busca de seu travesseiro e, entre uma dobra e outra Alicia descobriu Laila, com um sorriso provocante, deitada entre os lençóis. Restabeleceu suas forças.



VI.
As fugas de Laila tornaram-se constantes. Todos os dias, ao pôr-do-sol, após Alicia finalizar seus milagres diários, as duas garotas se encontravam e dividiam o restante da noite.

A mãe de Laila, porém, não via com bons olhos o sumiço noturno de sua filha. Ainda que evitasse pensar dessa maneira, sua desconfiança sobressaia à gratidão por Alicia e as suspeitas alfinetavam sua consciência com medos infindáveis. Completado um mês de escapulidas, a devota decidiu agir. E agiu da única forma que soubera agir.

A única forma como sempre agiu. Sem perguntar a Laila seu motivo, trancafiou-a no quarto e deixou a filha a pão e água. No dia seguinte, Laila seria levada a um convento para se redimir de “seu relacionamento pecaminoso”. Durante as primeiras horas, a menina foi incapaz de desenrolar-se de sua magoa.

Seu choro aflito e intenso ecoava pelas casas e surrava os ouvidos e os corações da vizinhança. Laila, conformada com a intolerância da mãe, domou suas dores e as transformou na arquitetura de um plano de fuga de seu calabouço materno. Após uma noite inteira de tentativas, conseguiu abrir a janela e pular rumo ao amor de sua vida.

Entretanto, como se o destino lhe tivesse pregado uma triste peça, ao atravessar a névoa macia exalada pelas estrelas nas madrugadas de frio, Laila esbarrou em dois homens cambaleantes. E um grito de dor rompeu a madrugada.



VII.

Alicia aguardou ansiosamente por Laila. Durante um mês sua vida de duas décadas havia tomado forma para, em míseros três dias, desintegrar-se novamente em um marasmo sem sentido.
Mas a garota não desistiu, ainda que sua aflição espremesse sistematicamente a qualidade de seus milagres. Alicia havia ouvido inúmeras criticas naquelas 72 horas sem Laila.

A população, cobiçosa de desejos, era incapaz de compreender quão despedaçada estava sua alma. As vaias tornaram-se constantes. E a tristeza de Alicia eternizava-se nas quietas noites daquela cidadezinha pacata.

Na terceira noite, entretanto, a cidadezinha pacata levantou-se de seu sono e voltou-se às buscas do corpo de Laila. A devota, seguida por uma multidão de descontentes, bateu na porta de Alicia. Ela, desembaraçando-se das lágrimas noturnas, dedicou-se à pressa em atendê-los. E, antes que terminasse de destrancar sua porta verde, percebeu, pelos olhos furiosos da multidão que se espremia na rua, que seu receio de fato efetivara-se.

Alicia, chocada com a notícia de que jamais voltaria ver Laila, petrificou-se em frente à porta. A multidão adentrou bruscamente em sua casa e, levados pela ira do momento, encontraram no corpo de sua mãe o mesmo corpo que procuravam. Alicia era incapaz de defender-se.

Sua imobilidade mórbida, que por tanto tempo a preservara dos perigos do mundo, retornara. Assistia a cena com lágrimas nos olhos, mas não conseguia sequer gesticular.

Na busca por mais detalhes do crime, encontraram, entre os lençóis desbotados da cama, uma mancha de sangue que, há poucos meses, fora o estopim do despertar de Alicia. E que agora se tornara sua sentença de morte. A acusação de homicídio e o envolvimento afetivo com Laila dissiparam a piedade da cidade.

Alicia iria para a forca em praça publica na tarde seguinte, antes do pôr-do-sol. Serviria de espetáculo ao tédio da multidão e exemplo aos dissidentes que tomassem o mesmo rumo que ela. Alicia não conseguia conter as lágrimas ou defender-se das incriminações que lhe faziam na prisão. A dor que tomara sua alma não permitia que fizesse o que quer que fosse, senão chorar.

Aguardou, com uma ansiedade sufocante, suas últimas horas passarem para que, finalmente, pudesse apreciar mais uma vez o sol poente. Ás 18h, o sol recostava-se de sua jornada e dava, aos poucos, lugar a uma escuridão intensa. A corda áspera laçou o pescoço de Alicia.

Os olhos interessados da multidão brilhavam ao reflexo da fraca luz que restara do dia. Idosos, mulheres, crianças, comerciantes, camponeses amontoavam-se defronte a forca da garota que, há pouco tempo, lhes curara suas enfermidades. E quando o corpo de Alicia pôs-se a flutuar no ar, sustentando-se apenas pela corda, a platéia aplaudiu de pé o espetáculo e voltou-se para seus lares, onde poderiam esconder-se de suas próprias consciências.

No decorrer da madrugada, entretanto, o corpo de Alicia passou a emanar uma tímida claridade. Sua pele brilhava sob o orvalho e iluminava a noite sombria e silenciosa.

Os moradores, despertos com a alvorada antecipada, saíram de suas casas e se dirigiram ao local onde estava o corpo de Alicia. A luz calorosa os confortava como o sol conforta os corpos frios nas manhãs de inverno.

Sem que ninguém pronunciasse palavra alguma, a multidão que se aglomerara aos pés da garota percebera quão terrível foi seu pecado.
Na madrugada gelada, os corpos inclinaram-se rumo ao chão. A luz iluminou as cabeças penduradas e os corações dilacerados pelo remorso. Como um grito silencioso, que ecoasse pela alma dos agraciados por Alicia, a multidão enfim compreendeu que o mais inexplicável dos milagres não está em levitações ou na cura das mais mórbidas enfermidades. Mas sim na cócega discreta escondida nos sentimentos daqueles que compreendem o quão indescritível é a magnitude da palavra “amor”.


PS - Essa estória foi originalmente publicada em ABC Les.
PPS - Eu sei que estou meio ausente, mas, como puderam perceber, estou escrevendo histórias maiores, o que leva um pouquinho mais de tempo. :]

Friday, August 07, 2009

Medalha.



Uma mosca sentada sob minha perna engessada.
Eu levei cinco tiros, duas facadas, tive quatro dedos amputados e fui espancado até meus olhos não enxergarem mais a luz do luar.
E minha grande medalha é uma mosca sob a perna que ainda está machucada.
Ao meu lado, uma navalha. Sua lamina luminosa pulsa para mim. Como um código militar para algum grande plano... Que não funcionará.
Duas cartelas, vazias. Esses remédios me mataram lentamente, várias vezes ao dia, por dois anos. Agora me matarão nova e definitivamente.
Os amigos que eu não delatei me apagaram de suas listas telefônicas. Se é que o número de meu telefone já esteve nelas. E agora, eles vangloriam-se de terem salvado suas próprias vidas, enquanto eu os carregava em minhas costas.
O sol não brilha com a intensidade de antes da guerra. A luz cinza afaga meus sonhos quebrados e minhas desesperanças. Dois filetes de sangue banham meus braços repletos de hematomas e cicatrizes antigas. Hora do almoço. Eu poderia comer essa mosca. Não me importaria. Mas quero morrer puro. Livre dos ressentimentos e mágoas. Livre de toda a zombaria, a ingratidão, o altruísmo fatal em que me joguei para desprender poucos das garras da morte. Agora, é a minha vez. Eu ainda sinto a dor agitar minhas veias, mas o transe anestésico dos remédios me faz esquecer minha existência. Me faz esquecer das desavenças e de meu orgulho ferido. Tão ferido como meu corpo, como minha alma, como o meu país... E agora, o grande final para o deleite das trincheiras, da vala de cadáveres que aguarda ansiosamente o fim de meu sofrimento e dos inimigos que se aglomeram ao redor de meu território. A minha baixa.

Sunday, June 21, 2009

As asas e o azar de Luís.



Luís queria algo a mais.
Infelizmente, a vida não correspondia ás suas expectativas.
Luís queria a felicidade. Mas queria alcançá-la com suas próprias pernas. Queria o amor de seus pais com seu próprio amor. Queria a paixão de uma namorada com seu próprio coração. Queria uma vida melhor. Uma vida que ele pudesse sentir com toda a sua alma. E unicamente com a sua alma. A vida, entretanto, parecia-lhe ingrata. A caridade que Luis dedicava ao próximo não era correspondida. Pelo contrário, seu altruísmo tornara-se o primeiro degrau para uma longa escada em que o “próximo” pisoteava-o até seu desgaste total. Luís estava insatisfeito consigo mesmo e com o resto da humanidade. Mas ele sabia que era impossível modificar a alma do ser humano. E a sua já se se encontrava no ápice da caridade. A solução que Luís encontrou para tal dilema era trágica. Mas é a solução para todos os problemas. Em frente à janela de seu quarto, Luís subiu em cima de um banquinho de madeira vermelha, colocou suavemente seu pescoço dentro do laço que fizera com uma corda áspera. A indecisão da escolha permanecera dentro dele e converteu-se em lágrimas incontidas que contornaram todo o seu corpo. Sem que Luís percebe-se, no contorno úmido por onde sua lágrima passou, pequenas penas surgiram. E cresceram rapidamente. Ao abrir os olhos, todo o corpo de Luís iluminara-se. Como se todo o sofrimento pelo qual passou tivesse se convertido em luz, em santidade. Ele sentia-se livre, puro, desprendido. Asas cresceram em suas costas. Luís, impulsionado pelo milagre, abriu a janela. Queria propagar seu milagre para o próximo. Queria fazer o bem acima de tudo. Tornara-se um anjo e como um anjo ele deveria agir. Pulou de sua janela em direção ao mundo. Suas asas acompanharam seu pulo e estariam prontas para bater vôo, se no animo do momento, Luís não tivesse se esquecido de desamarrar a corda do pescoço.

Tuesday, June 16, 2009

A Tragédia dos Comuns



Eu não tinha grandes esperanças naquela época.
Eu simplesmente seguia o fluxo das minhas vontades.
Entretanto, com o tempo, percebi que viver a vida de outras pessoas não era satisfatório.
Desde então passei investir na minha própria vida.
Se eu fumo três maços de cigarro por dia, não é por luxo, mas vontade de antecipar a minha morte. A minha morte. Hoje em dia, eu vivo por mim mesmo.
Antigamente as pessoas me afetavam. Comentários, críticas e elogios me abalavam. Tamanha vulnerabilidade me constrangia. Não que alguém soubesse da minha predisposição comportamental. Era uma vergonha interna, que me doía por dentro. Como seres tão inferiores, tão mesquinhos eram capazes de influenciar tanto a minha vida? A desonra dominava a minha mente.

Meu pai era um policial aposentado. Seus comentários preconceituosos, sua agressividade e sua soberba foram herdadas por mim. Está no sangue. Até hoje, depois de tudo o que já aconteceu, eu não me arrependo dos meus atos e das minhas palavras. Certo tipo de gente realmente não merece consideração. Mas isso não vem ao caso. Não agora.
Além da avareza, também herdei de meu pai sua pistola. Era uma pistola gasta. Tinha manchas de sangue. Sangue tantas vezes jorrado nas delegacias em que meu falecido pai trabalhava. Comecei minha carreira de escrivão nessas mesmas delegacias. Eu vi o inferno e o demônio naqueles lugares. Corrupção do diretor, brutalidade dos presos. Passei cinco anos escrevendo testemunhos e boletins de ocorrência. Pedi demissão. Eu enlouqueceria se ficasse lá por mais tempo.

Naquele mesmo dia, eu peguei a arma de meu pai. Muni-a. Apertei o gatilho para testá-la. A partir de então me tornei um assassino conhecido. Eu entrava no metrô. Quando via desrespeito, crianças sentadas em lugares reservados e idosas em pé, eu apontava e disparava a arma. Antes que os policiais me pegassem, o vagão inteiro já estava morto. Eu era rápido. Eu era brutal. Ninguém que entrasse na minha mira escapava vivo. Nem homens, mulheres, idosos ou crianças. A maldade já nasce com o homem. E morre com ele. Quanto mais rápido um homem morre menos mal ele faz. Eu cuido para que isso aconteça. Eu tornava real a ameaça de extinção humana. Eu atirava em escolas, igrejas, edifícios comerciais, telejornais, discotecas. Eu era grande. Eu era veloz. Ninguém relava em mim. Acho que matei entre 500 e 700 mil pessoas. Comparado com a população mundial, não foi um grande número de mortos. Uma lastima. Infelizmente, minha afinidade com capitalistas e socialistas não era suficiente para o recebimento de armas de destruição em massa. Se com uma pistola velha eu fiz o que fiz, o que eu não teria feito com bombas nucleares!

Tardaram a me encontrar.
Em parte pelo medo dos próprios policiais. Em parte pela falta de testemunhas vivas, e confiáveis, que pudessem descrever meu rosto.
Eu disparei balas certeiras por quinze anos. Sem sobreviventes.
Entretanto, em uma segunda-feira de manhã, esse fato foi revertido.
Acordei tarde. Eu estava desempregado, com fome e cansado. Mas me recusava a procurar emprego. Evitava receber ordens, pois caso elas me irritassem eu seria incapaz de responder adequadamente. As balas responderiam por mim. Eu raramente conversava com as pessoas. Era um estorvo. Por isso eu atirava nelas. Evitava discussões e ressentimentos. Mas eu precisava me alimentar. Ainda tinha algum dinheiro no bolso, me dirigi a padaria. Armado, como de costume. Mas não pretendia atirar em ninguém. Se o padeiro morresse, demorariam a encontrar outro e normalizar as vendas. Eu tinha fome, não tempo. Enquanto eu caminhava, notei que todos os olhares ao meu redor se dirigiam a mim. Abaixei a cabeça. Minha alma corrompida impedia que eu olhasse nos olhos de outrem. Segui firme até a padaria. Na esquina, eu pude perceber que uma viatura e dois policiais patrulhavam a rua. Eles também perceberam a minha aproximação. Me interrogaram. Pediram documentos para, posteriormente, confirmarem a minha fama. Eu percebi que haviam descoberto quem era o grande assassino. Era eu.

Atirei nos dois policiais, mas não pude impedir a multidão que se aglomerava ao redor da viatura. Pela primeira vez na vida, senti minha mão vacilar. A expressão ambígua nos rostos das pessoas, que se aproximavam a passos de gigante, impedia que eu atirasse. Eu sentia que algo estava prestes a acontecer. Algo importante. Empunhei a arma. Mas eu e todas aquelas pessoas sabíamos que eu seria incapaz de atirar. Ainda que, provavelmente, todas estivessem ali para vingar a morte de algum ente querido. Provavelmente eu deixei alguma vítima viva. Maldita! Quando eu encontrar esse verme, não repetirei o erro novamente. Se eu saísse vivo daquela situação. Mas elas se aproximavam. Eu sentia a morte me espreitar. Ouvia a respiração densa delas. Senti algo puxando meu braço. Senti a morte me puxar. E então, os fatos que se seguiram me pareceram como uma alucinação coletiva. Como se uma venda houvesse caído de meus olhos. A expressão ambígua nos olhos delas... era uma expressão de alegria. Elas estavam felizes em me encontrar? Nenhuma delas estava armada. E os fatos novamente se inverteram a meu favor. Elas se aproximaram e disseram que queriam seguir meu caminho de sangue e destruição. Estavam descontentes com o mundo e consigo mesmas. Queriam uma vida melhor, ainda que essa vida lhes levasse diretamente a morte. Elas me queriam. E eu vi, naquele pequeno exercito suicida, a bondade que faltava nas vítimas que eu matei. Percebi que, ainda que a grande massa seja asquerosa e mesquinha, uma parte da humanidade merece amor. E as nutri em meu peito. Ensinei-lhes a rápida brutalidade com que deviam matar suas vítimas. Mas também lhes esclareci que, com uma arma na mão, eles nunca sairiam vivos donde quer que fossem. Eles incorporaram meus ensinamentos. Me adotaram como seu Deus pessoal. E agora eu os guio em direção ás cidades. Em direção ás pessoas. Em direção ao mundo. E eles, por sua vez, levam as pessoas à revelação de que o mal será julgado e exterminado. Como sempre deveria ter sido. Como um pastor que leva seu rebanho em direção da paz e da verdade. Como Deus e como o resto da humanidade.

Friday, May 08, 2009

Pessoas... de novo.



Parecerei repetitiva. Eu sei. Mas não tenho outra opção... O post “Pessoas” foi um desabafo meu. Infelizmente, só um desabafo não me basta. Escreverei outro (riso maléfico)!
Esclarecendo meu próprio termo, não é, exatamente, um “desabafo” o que escreverei. Está mais para um post filosófico. Já que não estou no curso de Filosofia, ao menos ainda me reservo o luxo de pensar. E postar minhas idéias.
Creio que, no texto anterior, eu tenha deixado certas coisas sem explicação. Pois bem, eu duvido muito que alguém tenha lido, o que é ótimo, em parte, pois não me censurarei neste segundo post.
Reafirmo minha opinião: Sim, as pessoas estão submersas num oceano de estupidez e autodestruição. E elas esperam, em vão, que Deus venha salvá-las do iminente afogamento ao qual se submeteram por conta própria. Acontece que Deus nunca vem, não estou duvidando de sua existência, provavelmente por Ele estar infinitamente mais ocupado com questões acerca do firmamento. Um firmamento desconhecido e ansiosamente aguardado pelos indivíduos que se deixam afogar no mar de suas ignorâncias. Da ignorância que cada um de nós carrega surge a dúvida que somos incapazes de explicar com o nosso raciocínio primitivo. E o nosso raciocínio primitivo cria respostas insustentáveis, se vistas de modo lógico, para nutrir nossa ilusão de sermos seres superiores que, ao andar sob duas pernas e manusear pedras mortíferas, não merecem, de forma alguma, um final “simples”, no qual se morre e tudo acaba. Dessa ilusão surgiu o mito que sustenta as bases da humanidade: a imortalidade da corrompida alma humana que, por sua vez, só se dá no firmamento, ao lado de Deus todo poderoso, o Pai generoso que, após nossa sofrida vida, nos afagará em seu colo celestial e perdoará os pecados cometidos pela nossa ignorância, pela nossa falta de instrução e pelos nossos instintos animalescos. Infelizmente, senhores, isso é só uma doce ilusão. Claro que eu posso estar errada, mas o questionamento não condiz com a doutrina religiosa, muito pelo contrário, o fato de nunca termos obtido uma confirmação da existência de Deus, apenas sustenta o mistério e a duvida que nos mantém vivos e crédulos. Na duvida acerca da existência da imortalidade, submetemo-nos aos 10 Mandamentos, aos caprichos católicos, aos retrocessos evangélicos, por temermos a rejeição da morada celestial se não cumpridas essas simples ordens. Senhores analisem comigo: Os 10 Mandamentos e, praticamente todas as vontades católicas, resumem-se a suprimir os instintos mais selvagens que um ser humano carrega dentro de si. Se o ser humano foi feito a imagem e semelhança de Deus, se o ser humano não tem nenhuma ligação genética com antepassados primatas, por que, então, haveria de ter instintos selvagens que, mesmo sob o risco de ser expulso do paraíso, mantêm-se invariavelmente presentes nesse mesmo ser humano? Seria a força do habito? A força do hábito de estuprar, matar, roubar, torturar e praticar todas as crueldades imagináveis mesmo após séculos de intimidação e crença na doutrina católica? É injusto acrescentarmos o “diabo” nessa história. O Homem não tem livre arbítrio? Se sua inclinação para o bem se dá igualmente para o mal, podemos concluir que ele é facilmente manipulável e que sua livre escolha não lhe é digna, como não lhe é digna a salvação, sendo seus atos forçados e falsos que se baseiam em regras nas quais ele mesmo não acredita ou cumpre tendo, unicamente, um interesse próprio predefinido. Falando em manipulação, sejamos francos, ao contrário do que alguns marxistas e liberalistas (as duas visões políticas, no fim, caem na mesma contradição) afirmam, a indústria cultural ou a lavagem cerebral não alienam o homem. Alguém pode me dizer algum momento histórico em que o homem tenha sido dono de sua própria mente? Nos primórdios da humanidade, inventaram a idéia de Deus e o jovem ser humano matou e morreu por essa alucinação. Cristo, igreja católica. O ilustríssimo pontífice aplicava e censurava trechos do Novo e do Velho Testamento afim de submeter o grandioso rebanho cristão a seu poder pessoal, epa... digo... ao poder de Deus na Terra, o virtuosíssimo Papa. Viva, viva. Aleluia. E assim, a cristandade guiou a vida ocidental (como outras doutrinas religiosas guiaram a vida em outras partes do globo). Veio a Modernidade. Veio as revoluções políticas nas quais os “cidadãos” de bem e de boa vontade aderiram ao sistema social que mais se identificavam: a compra, o comércio, a liberdade de ficar em frente a televisão assistindo comerciais no intervalo entre um filme hollywoodiano e outro. E se sentir imensamente feliz por viver em uma sociedade “livre”, porém desigual... é a vida, nem tudo é perfeito. Ou, unir-se aos sofredores, aos mártires, aos trabalhadores cujo suor transformou-se em sangue nas mãos de ditadores empenhados na fortificação de seus arsenais nucleares. Porém todos tinham pão. E não televisores. Independente da sua escolha pessoal, leitor (se é que alguém vai ler isso), a humanidade seguirá, como sempre seguiu, cegamente ao primeiro que lhe dê o que comer, ou no que acreditar. A civilização foi construída em cima dessas duvidas acerca da imortalidade e da recompensa pelos constantes sacrifícios aos quais o pobre cristão submete-se (como não matar a sua vizinha quando ela joga o lixo na sua calçada, ou ir à igreja aos domingos ainda que prefira ficar em casa e assistir o jogo de futebol e até mesmo não pular a cerca que separa sua casa do bordel na esquina), visando unicamente, UNICAMENTE, sua própria salvação. Como eu poderia conviver com seres desse tipo? Como eu poderia viver todos os dias ao lado desse tipo de criatura sem desdenhá-las ou tomá-las como completos imbecis? Bom, é isso... espero que eu tenha conseguido explicar de modo detalhado os motivos da minha repulsa pelos seres humanos. Mas, devo acrescentar antes de terminar esse post, que eu, de fato, amo a humanidade. As obras, os feitos que todos nós construímos no decorrer da história e no dia-a-dia, são magníficos, incríveis, inacreditáveis! Mas o meu amor pela humanidade resume-se a admiração por uma pintura impressionista: de longe, é maravilhosa, celestial, parece moldada pelas mãos de um ser superior, parece divina... Mas ao aproximar-me, vejo apenas pinceladas indistintas que se resumem a pequenos pontinhos de tinta coloridos que, vistos de perto, vistas suas almas, não passam de manchas perdidas em uma tela branca.

Tuesday, May 05, 2009

Antigo.



Ele morava em uma casa antiga.
Centenária, em uma rua antiga, no centro daquela antiga cidade.
Seus pais também eram antigos, velhos e tardaram a morrer. A casa era herança.
Ele tinha uma filha jovem, recém-nascida e uma esposa dedicada e juvenil.
As paredes desbotadas de sua moradia arcaica, certa noite, desabaram seus tijolos seculares sobre a jovem família do rapaz. O sangue manchou o lençol branco da cama que, há muito tempo, fora de seus pais. A negra poeira nos móveis grudou nas lágrimas do homem que sentou na calçada defronte a sua porta rachada. Sentou e se esqueceu de sua existência.
Nos primeiros meses, ainda era possível flagrá-lo piscando ou bocejando. Costumava murmurar palavras incompreensíveis quando esbarravam nele por descuido. Com o passar dos anos, o pó acumulado em suas feições criou uma camada rígida e lisa sob sua pele. O homem que nasceu naquela casa antiga, filho de pais antigos, tornou-se uma antiguidade. Décadas após o desmoronamento, o terreno foi demarcado e sobre as ruínas de uma longínqua vida foi criada uma nova casa. A estátua que se tornou, foi depositada cuidadosamente na sala de estar e era apreciada por todos os convidados que por ali passavam. Menos pelos dois filhos dos anfitriões que, afirmavam convictos, era uma estatua mal assombrada. As crianças ouviam o choramingo discreto do homem petrificado nas madrugadas frias e atormentavam os pais com seus pesadelos. A estátua foi vendida. E voltou a causar calafrios nos donos da casa de penhor. Sua insustentável tristeza transbordava e, com o tempo, lágrimas passaram a escorrer de sua face cinza. O homem passou a atrair uma grande clientela para o estabelecimento por conta disso. Mostrar o sofrimento alheio é sempre um grande negócio e, pensando dessa maneira, o dono de um show de horrores comprou a peça. “A estátua que chora. Aproximem-se e ouviram a única rocha com coração no mundo”. Canais sensacionalistas de televisão se amontoavam para filmar a sina do homem estátua. ONGs protestavam. Religiosos também. Um grupo de arqueólogos, na madrugada gelada, invadiu o circo e raptou a estátua. Queriam saber qual era sua origem e se sua venda lhe dariam algum retorno monetário. O cobiçoso dono do show de horrores disparou seu revolver. O silencio noturno deu lugar ao eco dos tiros e o eco dos tiros foi quebrado pelo agudo grito de dor emitido por detrás da fina camada em que se ocultava o corpo do homem. O sangue escorria por entre as rachaduras e regava a terra fria. Os cacos se espalharam, mas não se via ossos ou pele entre eles. Escondida entre os destroços ensangüentados, uma lágrima refletia à luz do luar.

Wednesday, April 29, 2009

Pessoas.



Eu gostaria de dedicar esse post a falar mal da raça humana.
É um tema clichê, eu admito. Qualquer um que tenha o mínimo de massa encefálica tem conhecimento, e experiência, da miséria humana.
A podridão das pessoas sempre foi tortuosa para mim. Cada ato, comentário, gesto que emitem reflete a natureza imunda desses seres. E a maioria delas, alias, encontra-se num irreversível processo de [auto] depravação. Não que isso me repulse. Cada qual faz o que deseja de seu corpo e de sua vida. Entretanto, a partir do momento que essas criaturas busquem impor seus desejos fúteis acima dos da humanidade, a situação se complica. O egoísmo é o motor da civilização. Grandes idéias geram grandes invenções que solucionam grandes problemas e são vendidas por grandes lucros. O ser humano não se interessa pelo bem-estar alheio, não é, exatamente, um “animal social”. O ser humano só ajuda ao próximo quando tal gesto lhe traz retorno. A sociedade não passa de um grupo humano onde cada indivíduo exerce uma função que lhe trará determinado retorno (na maioria das vezes, monetário). A humanidade, como já disse, é primordialmente egoísta. O egoísmo não é sustentável. É autodestrutivo.
Bom, como eu disse anteriormente, qualquer pessoa razoavelmente inteligente tem consciência disso tudo. Como também tem consciência de que a crueldade é tipicamente humana. Nenhum outro animal na natureza age de forma cruel. E por “cruel” entende-se atitudes maldosas, planejadas, que visam unicamente à humilhação física ou moral de determinado individuo.
Enfim, para não prolongar ainda mais um discurso que todos (até mesmo as pessoas que se incluem na categoria de “ser humano desumano”) já sabem de milênios atrás.
Eu não acredito em Deus. Se Deus fosse o criador da humanidade, o ser humano não seria a aberração que sempre foi. Acho que todos são livres para agirmos da maneira que desejarmos, entretanto o bom-senso e, às vezes, o altruísmo são necessários para a preservação da civilização. Fato ignorado pelo resto da civilização.
Depois dessa pequena listagem das características humanas, afirmo, com absoluta certeza, de que não há nada que eu mais deseje do que o fim dessa raça desprezível.
Bombas nucleares, doenças, crimes hediondos, assassinos suicidas, cientistas conscientes da situação... Ataquem!

Sunday, April 19, 2009

Por que?

Por que eu estou numa faculdade particular, num curso de Relações Internacionais sendo que a minha paixão sempre foi Cinema e Filosofia? Por que eu estou fazendo isso comigo mesma? Eu não sei. É como se uma mão invisível me guiasse na direção oposta ao que eu realmente quero. Eu vejo o tempo passar, eu me sinto desmotivada, desacreditada na essência do horizonte de possibilidades que se abre à minha frente. E enquanto eu me deixo guiar rumo a todas essas supostas possibilidades, eu ainda consigo olhar para trás, por cima do meu ombro esquerdo, e ver todos os meus sonhos e projetos sendo, gradativamente, despedaçados pelo tédio...

Saturday, April 04, 2009

Coração.



Eu gostaria de doar meu coração. Onde devo assinar?
Mas não quero esperar minha morte para fazer uma boa ação.
Se for possível, podem retirá-lo agora mesmo. Ou amanhã de manhã, como preferir.
Ele não é de boa qualidade.
Eu colei os pedaços da última vez que o quebraram. Mas creio que ainda tem utilidade.
Se desejarem analisá-lo mais profundamente verão que ele tem um histórico de desilusões.
Os cacos foram colados com lágrimas de antigas paixões. Lágrimas em abundancia.
Olhem. Outro cardiopata que necessita de um transplante. Podem extrair meu coração agora mesmo. Aproveitem que o paciente ainda nem saiu da ambulância.
Ah, esqueci de comentar. Peço que ao retirarem-no dêem certa atenção à garota que mora dentro dele. Eu já insisti, mas não pude convencê-la da necessidade de doar meu coração. Não pude convencê-la que ela não é o motivo das dores, e sim das alegrias. Sou incapaz de expulsá-la. Ela é o único motivo pelo qual me mantive viva. Entretanto, chega à hora de dizer adeus...
Caso lhes seja útil também posso doar meu cérebro. Está novíssimo. Raramente foi usado.
O meu grande incômodo, de fato, é coração. Agora que sinto o bisturi rasgar minha pele... Percebo o quanto demorei a encontrar a resposta para todos os meus problemas.

Wednesday, March 04, 2009

Dúvida.



Nasci numa manhã gelada de inverno. Como em todas as manhãs geladas de inverno, meus ossos chacoalharam dentro de meu pequeno corpo recém-nascido. E meu corpo recém-nascido, involuntariamente, pôs-se a chorar minhas magoas recém-plantadas.
Ainda que ninguém suponha, nos meus primeiros segundos de vida eu já sabia o que seria de mim. Mas só depois de duas décadas eu pude comprovar verdadeiramente as minhas premonições. Premonições raramente são enganosas. Aos 22 anos de vida, descobri que já estava cansado de viver. E de tanto pensar em morte, peguei-me demasiado indisposto para morrer. 22 anos sabendo as respostas e de repente, mudaram as perguntas. É fácil saber as respostas quando se tem todo o tempo do mundo para pensar nas perguntas. Mas é trabalhoso saber que cada resposta leva a incontáveis perguntas. Minha mãe não sabia as respostas, mas as perguntas se escondiam por detrás de seus dentes gastos. Meu pai apenas respondia, ainda que não lhe perguntassem nada. Ele não perguntou se sentiríamos sua falta quando partiu. Da mesma maneira que meus irmãos não perguntaram como eu me sentia quando me trancavam do lado de fora da casa, enquanto minha mãe estava no trabalho. Eu me perguntava se tudo aquilo era realmente necessário. E a minha resposta sempre foi imutável. Não. Nesse mundo nada é necessário. Exceto as dúvidas. Foram as duvidas sobre a vida e o mundo que construíram a humanidade.
Meus amigos não têm duvidas. Pararam entre a Av. Dezessete com a Av. Vida Adulta. Eu, como bom admirador do nada, assentei meus pés no meio desse cruzamento. E ás 17 horas dos meus 22 anos, 3 meses e 2 dias de vida, espero ansiosamente que o sinal abra. Há caminhos por todos os lados. Cada qual me levaria a excitantes e diferentes destinos. Mas por ser de meu conhecimento que o destino está a minha escolha, meu destino não me interessa mais. Agora que o sinal está semi-aberto, eu pedirei uma carona ou me jogarei em frente aos carros?

Sunday, February 22, 2009

Histórico Escolar.



Quando eu era criança, deitava no chão gelado da escolinha e olhava para o céu. As outras crianças passavam por mim e me chutavam. Na segunda série, a professora me perguntou por que eu sempre passava o recreio inteiro sozinha. Eu respondi que era porque ninguém queria ficar comigo. Na quarta, a professora disse que minhas calças pareciam de homem. Na sexta série, o professor de educação física me mandou parar de falar com as paredes, na frente a toda a sala de aula. No segundo colegial, a vice-diretora ameaçou me expulsar da escola se visse eu abraçada com mais uma menina. E agora, a faculdade começa a contar suas histórias.

Tuesday, February 10, 2009

Humanidade.



O homem que queria conhecer o outro lado da rua construiu uma escada de ilusões e esperanças. Um muro milimetricamente planejado cortava verticalmente a rua e era grande o suficiente para impedir a visão de curiosos de ambos os lados. Entretanto, era inevitável não ouvir os rumores sobre o motivo e a mando de quem havia se construído tal fronteira. Enquanto uns diziam, com acreditável convicção, que por detrás dos tijolos e do concreto havia uma raça de humanóides inteligentes que, visando perpetuar tal característica comum apenas á eles, construiu o muro segregando os habitantes vizinhos. Outros, mais céticos, espalhavam pelas mentes desavisadas, que tal construção fora feita a mando do prefeito que o construiu em homenagem a todos os muros do Planeta e pretendia batizá-lo com o nome da primeira dama, morta em um acidente em que seu carro colidiu violentamente contra um muro. Entretanto, tal informação jamais pode ser confirmada. O prefeito nunca atendia ao telefone, pois estava eternamente de férias. Havia também os incrédulos em tudo menos em suas próprias crenças. Estes passavam ao lado do muro com indiferença e outorgavam á Deus a construção e os motivos de tal fronteira.
O Homem, fascinado com a magnitude e a perfeição vertical, coletou todas as dúvidas e anseios dos morados locais e, amarrando-as em tábuas confeccionadas por suas próprias mãos, encostou sua escada de existências entre os tijolos. Conferiu se estava devidamente firme e pôs-se a subir o primeiro degrau, carregando consigo o peso da humanidade. De degrau em degrau, aprendeu a fazer o fogo, a manusear pincéis, a escrever e compartilhar suas palavras. Passou a ter família, cachorro, dinheiro. Aprendeu a beber nos domingos e ir ao banco nas segundas-feiras. Quando clonou e eternizou seus filhos, revestiu seu corpo de circuitos e fibra óptica, percebeu que após construir tantos degraus havia se esquecido do último e que, apesar de todas as suas descobertas, jamais encontraria uma resposta definitiva para suas perguntas. O último degrau o levaria, sem muito esforço, para o fim do muro. Na falta dele, o Homem fez o que sempre pôde fazer: deu um salto alucinadamente arriscado rumo ao nada. E, agarrando-se cambaleante ao muro, percebeu que havia derrubado sua escada no impulso para saltar. Pendurado pelas duas mãos olhou para baixo e, ainda que não a visse mais, ouviu o estrondoso som que a escada fez ao chegar ao chão. Com um salto experiente, o Homem equilibrou-se em cima do muro e, perplexo com a dimensão de sua busca pelo indefinido, atirou-se rumo ao abismo desconhecido.

Tuesday, February 03, 2009

Ludmila


Ludmila acordou com a sirene fanha do despertador. Abriu os olhos e esperou até que as imagens embaçadas em sua vista formassem os fios de luz do amanhecer sob sua janela. Suas mãos precoces tatearam o lençol da cama em busca de algum pedaço de chocolate esquecido na noite passada.

Levantou, vestiu-se com as roupas largas e desbotadas que herdou de sua mãe e, ainda desejosa de açúcar, foi até a cozinha preparar um leite morno para começar seu dia quente. O calor escorria dos fios de cabelo e contornava sua face, formava gotículas salgadas em seu nariz e manchas suaves em sua camiseta. As ruas lotadas, o asfalto fervendo sob o calor de 40º C. Cada passo era meticulosamente calculado, cada espaço era milimetricamente delimitado ainda que todos insistissem em esbarrar em seu ombro. Ás 09h30minh entrava no escritório. Seu relógio marcava 9h29min, engolindo a saliva de ansiedade dos segundos que restavam, Ludmila empurrou, discretamente, a porta enferrujada cujo grunhido ecoou por toda a sala de espera e despertou olhares alheios em sua direção. Na sua mesa, havia fotos de gatos, pombos, ratos e cães, ainda que estes não lhe pertencessem, ela sentia um prazer sincero em alimentá-los nas esquinas sujas da cidade. O ventilador barulhento no teto, além de não ventilar seu suor, a desconcentrava. O tic-tac insistente do relógio que estava, propositalmente, atrasado, lhe deixava nervosa com os papeis acumulados. Ás 18h o expediente terminava. Ás 18h15min era a hora de esperar os gatos saírem de seus esconderijos na praça. Casais de namorados com os braços e lábios entrelaçados passavam e sentavam-se nos bancos ao redor de Ludmila. Os olhares, os gestos, os abraços, os beijos... Ainda que se sentisse melhor sozinha, de vez enquanto, bem de vez enquanto, Ludmila não se importaria em dividir seu coração ou sua cama com alguém. Tanto que, quando ela sentia-se assustada com a escuridão de seu quarto, sempre encontrava alguém que preenchesse, temporariamente, a sua solidão. Mas, em todas às vezes, ela escolhia se isolar. Se isolar, de preferência, no canto esquerdo, do lado da parede, em sua cama. Ludmila enterrava-se entre os lençóis, esticava as pernas, encolhia os braços e abraçava seus sonhos de felicidade durante ás 6 horas que lhe eram permitidas para recarregar seu estoque de tristezas diárias.

Friday, January 30, 2009

Passei no vestibular!


Peguei uma bolsa do PROUNI na melhor faculdade daqui.
Passei na prova da ETEC (urgh).
Passei em Filosofia na UNESP.
Passei em todas as provas que eu fiz esse ano.

O que eu escolho?

Tuesday, January 06, 2009

Vergonha.

A culpa não foi sua.
Eu apenas estou magoada comigo mesma
Por ser tão frágil a criticas e a negações.

E agora, me vejo obrigada a tomar um novo rumo

A mudar drasticamente os meus conceitos

Para me adaptar ao seu mundo.
Acalme-se, eu não estou brava com você.
Estou apenas envergonhada
Por ter exposto a minha sexualidade
E ter sido tão facilmente rejeitada.