Wednesday, December 10, 2014

Perdidos



Tem algo de errado conosco. Já nascemos errados, com nossa supremacia genocida, nossa raça de ditadores individualistas, mestres na arte de não se importar. Já nascemos meio mortos, eternamente presos nas grades que levantamos para nos proteger do próximo: esculpimos nossas casas em cima dos formigueiros, construída por mãos cansadas, com a madeira suja de ninhos destroçados sob o céu manchado de fumaça. O trajeto humano é feito da imundice, dos massacres e das escravidões. Guerreamos batalhas eternas, infinitas como o nosso ego e nunca ganhamos nada. Encarceramos, modificamos e criamos monstros deformados, fracos, cambaleantes, desnutridos, precocemente natimortos para preencher o vazio das nossas entranhas saciadas. Eles nascem para sofrer, nunca andarão, nunca verão o sol, nunca sentirão a terra, nunca ciscarão ou correrão e, ao fim, sua carne sagrada, cheia de sangue e de magoas, será um pedaço de carne desperdiçado no seu prato, um bife estragado no fundo da sua geladeira. Tudo em vão. Somos assassinos asquerosos, sádicos e arrogantes. Tivemos um planeta inteiro, tivemos muito tempo para evoluir e nos emancipar da maldade bestial e cega que está infinitamente aquém do instinto mais básico de qualquer outra criatura da Terra. Tivemos todas as chances e desperdiçamos tudo... Ninguém está vindo para nos salvar, ninguém está tomando conta de nós e ninguém nos redimirá de nossos erros. Muito provavelmente não existe nenhum deus ou entidade ou espírito ou anjo ou qualquer coisa para nos salvar de nossos pecados. Vamos nos extinguir nos próximos séculos, sufocados com nosso próprio veneno, presos numa cela pequena demais para nossas ambições. Nascemos com facas cirúrgicas, crescemos entre paredes estreitas, em salas lotadas, sem nunca podermos sair e sentir o sol da manhã na pele e sentir o entardecer nos ossos... Trabalhamos por décadas da nossa vida curta para sobreviver, assinamos contratos vendendo a alma e, com a mesma violência de um animal, destruímos qualquer concorrente que ameace roubar nosso cargo nojento. Aos poucos, cada um de nós, joga um punhado de terra na cova coletiva que cavamos para nos enterrar vivos. Seremos mais um planeta morto, assim como muitos outros no vácuo do espaço, cuja civilização será escondida na fumaça e nunca nenhuma criatura chegará até aqui para conhecer os registros cotidianos de nossas vidas infelizes, desnecessárias e nocivas. Melhor para eles... 

Tuesday, September 30, 2014

Socorro



As pessoas reagem de formas diferentes às perdas. Eu tenho minha forma de reagir: eu volto ao passado e me torno o que costumava ser. Esse ano tive muitas perdas: perda da auto estima, do orgulho, do capital, das oportunidades e, por pouco, a perda da minha base vital. Cada um reage a sua forma às perdas. E eu estou piorando. Estou tentando pedir socorro. Voltei a fazer todas aquelas coisas que eu sempre soube que não deveriam ser feitas. Os cortes, a forca, os remédios, a bebida... nada é capaz de me acalmar. Eu preciso de ajuda, sei que estou doente, mas não sei como pedir ajuda. Preciso me libertar de todos esses pesares e fracassos. Sei que existem outras possibilidades mas estou cansada demais para tentar. Me sinto tão infinitamente triste. Tão sozinha e abandonada. Me sinto abandonada até pela minha sorte e pelos meus protetores. Parece que eles também desistiram de mim. Parece que todo mundo desistiu de mim. Estou reduzida à minha invisibilidade. Não consigo reagir à tantos golpes. Cada pancada levou um pouco do que eu tinha construído, levou um pouco de quem eu era. Talvez seja o momento de parar de lutar contra o mundo e me unir à ele. Talvez seja o momento de desistir de mim mesma também... 

Wednesday, August 20, 2014

Vingança



Eu me considero uma pessoa caridosa. Sempre tento fazer o bem, pois sei que se não o fizermos, não há nenhum deus para fazê-lo por nós. Estamos sozinhos. Sou uma pessoa caridosa. Retribuo o bem que me fazem e relevo o mal que destilam em mim. Mas nunca me esqueço de nenhum dos dois. Por isso, tenha certeza, não me esquecerei do que vocês estão fazendo comigo. Como eu poderia esquecer tudo isso? Como eu poderia relevar toda essa injustiça e humilhação? Eu não seria humana se esquecesse e, nitidamente, sou muito mais humana do que todos vocês. Eu não me esquecerei. Temos o mesmo tamanho mas para vocês sou menor, vocês se acostumaram a me ver menor: menos inteligente, menos competente, menos interessada, menos proativa, menos necessária... sou todos os menos do universo no universo de vocês. Mas essa ampla magnitude de menos é restrita ao universo que vocês criaram para me isolar. Eu não me esquecerei do que estão fazendo comigo e vocês finalmente olharão nos meus olhos, ficaremos cara a cara. Todos os outros sabem do meu potencial e da minha capacidade. Para eles, e para mim, eu não sou a menos tudo, mas sim a melhor. Acredita nisso? Sou a melhor. Todos me elogiam, todos me reconhecem, todos sabem do que sou capaz. Menos vocês. Vocês não me veem porque escolheram não olhar para mim. Vocês me descartaram antes que eu pudesse crescesse. Mas eu cresci. E é por isso que vou fazê-los se lembrar de mim. Eu vou entrar na sua mente, estarei dentro de cada pesadelo. Eu vou fazer com que se arrependam e se envergonhem de si mesmos. Minha raiva é tão grande, é tão vasta, é tão irrestrita que se tornou onipotente. Vou tornar o impossível realidade e condenarei a alma de vocês. É impossível para vocês, não para mim. Vocês não sabem do que sou capaz: desperdiçaram muito tempo olhando para baixo e não me viram, não perceberam que me tornei maior do que vocês.


Saturday, April 05, 2014

Poeira.


Eu sou um animal. Vivo desprovida de objetivos e sonhos, igual a um animal. Vivo presa aos meus próprios instintos, ao meu hedonismo e a minha libido. Um animal que reage com violência quando atacado. Sou um animal e você é um ser humano. Por isso somos tão diferentes. Sempre me disseram que sou calma, converso com tranquilidade e não me assusto quando um prédio desmorona ou uma estrela explode. É porque eu não me importo, não tenho nada a perder e nem a ganhar. Na minha frente só vejo a realidade. Não me disfarço com lantejoulas de auto complacência ou purpurinas de afeto. Já desisti de mim mesma. Eu não tenho mais sonhos, nem ideais, apenas necessidades básicas. Apenas a sobrevivência em uma civilização hierárquica. Nunca tivemos nada e, por não termos nada, buscamos ter algo em coisas que não são nada. Um emprego melhor, um cargo maior, mais dinheiro, mais garotas. Eu não consigo viver para isso. Eu me drogo, eu bebo sempre que posso, eu não me importo. Não me importo com as contas, com a sua reputação, com a minha saúde. A vida deveria ser maior do que isso. Todas as batalhas que lutamos, todas as batalhas que você já travou foram inúteis. Foram por dinheiro, não por você ou pela sua emancipação como ser humano. Eu jogo dinheiro fora, eu ajudo quem quer ser ajudado. Porque eu não me importo. Se eu estou viva e bem alimentada, embriagada, para que se importar? Há um universo atrás de você e você mesmo é um universo. Olhe para si mesmo e perceba: o que você fez da sua vida? Suas esperanças são piadas e suas realizações são poeira. Para que se importar?

Tuesday, March 04, 2014

Desprezo



É hora de acordar. Mas algo puxa minha cabeça para baixo, para debaixo dos meus cabelos, aonde eu possa me esconder e me espreitar. Preciso lavar o cabelo e arrumar o quarto. Preciso arrumar minha vida. Sair daqui e queria te levar comigo, aonde quer que você esteja. Aonde você está agora? Com outra garota, talvez? Provavelmente em algum lugar melhor do que do meu lado. Me sinto tão idiota em ficar remoendo todas essas memórias absurdas. Mas o que se esperar de mim? Eu me lembro de cada palavra, de cada gesto que veio de você. Eu copiei seus vícios e seus defeitos. Eu repliquei suas qualidades e encantei outras garotas imitando você. Deixei um rastro de vítimas inocentes de uma vingança sem sentido apenas para satisfazer o meu ego, assim como você fez comigo. Eu me tornei você apenas para ficar mais próxima de você. Mas nada disso importa. Sempre que tento de novo, me machuco de novo, e de novo, e de novo. Para que me levantar se é para cair mais uma vez? Estou tão exausta de ficar aqui esperando que você volte. Eu sei que isso nunca vai acontecer, mas o impossível não me impede de te esperar. Veja como eu cresci, como me desprendi de você. Você não queria independência? Não queria respirar? Não nos falamos há quase 10 anos. Você respirou o bastante, não respirou? Me deixe te mostrar que eu mudei, que estou diferente, estou mais bonita. Você vai me amar como eu te amo. Só me dê uma chance e volte para mim, por favor... por favor, me dê um motivo para me levantar.


Friday, January 17, 2014

Grande erro



Você me fez chorar e eu te parabenizo por isso. Eu, no alto da minha embriaguez, no alto do meu desprezo, como eu poderia pensar em chorar? Parabéns, você venceu. Eu não lembrava que havia qualquer sentimento em mim, ainda que seja de dor ou de ciúmes ou de inveja. Eu tenho sentido tudo isso quando olho para você. Tenho sentido o meu pior por te dar o meu melhor. Tenho gritado por dentro e sofrido todos os dias ao pensar em você. Eu te disse que não preciso disso e continuo dizendo que não preciso, que sou melhor, que consigo algo melhor. Mas hoje, após tantas cervejas, olhei novamente para você e para todos os seus méritos e o choro veio tão espontaneamente que não percebi e tive que me esconder para que os outros também não percebessem. Como isso foi acontecer? Eu achava que tinha tudo sob meu controle. Eu faço minhas próprias regras e eu moldo as pessoas aos meus critérios. Mas, então, tudo deu errado e as minhas regras se voltaram contra mim. E agora eu vivo de expectativas e expectativas e tudo isso é tão desgastante e tão desnecessário, mas é o que me anima para continuar, ainda seja apenas para rastejar e seguir as pegadas de pessoas que estão acima de mim... iguais a você.