Thursday, July 12, 2018

sem direção



Os dias se repetem miseravelmente. Parece que já ouvi essa história antes: as horas vem e vão e vem e vão e retornam para dentro de mim, todos os dias. Sinto um vazio doce, um tédio ardido e os segundos passam pelos meus joelhos abatidos junto com a água morna do banho. Dizem que estou doente e que estou errada. Eternamente errada em cada posicionamento que tomo. Talvez eu esteja errada e você esteja certa. Mas meu cansaço não permite que eu tome decisões assertivas ou que tenha qualquer julgamento correto. Hoje, nesta manhã gelada e azulada, as coisas não se encaixam tão bem quanto deveriam. Eu rabisco em tons pasteis e rascunho rapidamente minhas sensações, mas nada, além de você, consegue amenizar meu aborrecimento. Você tem sido minha cura e meu castigo, um remédio amargo no qual me viciei para escapar dos meus dias. Rastejo por quilômetros por essa passagem enlameada com o mais maravilhoso afeto até a saída... e então volto para você. Não sei mais se o amor é a rendição ou a punição. Não tenho esperanças de que as coisas irão melhorar algum dia. Há apenas um feixe opaco de luz dentro de mim e ele ilumina você. E é essa visão que me faz permanecer aqui, imóvel de mais para ir embora, infeliz demais para permanecer...

Thursday, March 23, 2017

Calor na sombra


Os dias são trazidos até mim por uma brisa alcoólica. Chegada a véspera da véspera do  meu pesar, o mundo adquiriu um peso insustentável até para as divindades que comprovadamente me rodeiam. Chegada a véspera da minha vergonha, os dias se tornam mais escuros do que a cor negra, não há luz que passe por entre tanta treva, não há esperança que resista neste breu. Aos sons de uma época melhor, de antes da tormenta, de antes da glória e da redenção, o sopro da nostalgia bate por meu coração. Os dias têm sido inalcançáveis e sombrios, tão distantes de mim como a minha honra perdida, tão distantes de qualquer felicidade quanto eu estou de você agora, ainda que ainda te ame com todo o meu coração que não suporta mais estar vivo. Estou tão longe de onde qualquer ser humano pudesse estar, todas as minhas palavras, mesmo essas, são incapazes de exprimir o vazio que cresce como um câncer em mim... e para o qual não há tratamento e nem cura, para o qual as rezas mais abençoadas soam como piadas, para o qual a Terra e o planeta e a vida se resumem a coisa alguma. Eu, que não acredito em nada, passei cada segundo dos últimos seis meses rezando para todos os santos que cresci tentando crer e para todo aqueles que nunca acreditei em busca de paz e sucesso. Forjei um contrato imaginário com o primeiro que me ouvisse, em busca de paz e sucesso. Mesmo assim meus dias se arrastam pela lama e humilhação, pelas palavras afiadas até daqueles pelos quais me sacrifiquei. Mesmo essas palavras que falo agora serão silenciadas pelo cotidiano da vida, serão um grito de socorro emudecido no seu dia. A vida se tornou uma lobotomia. A vida se tornou um lapso eterno de toda aquela rejeição infinita que permeou minha infância, permeou meus últimos  empregos, que permeia a minha alma e que me dão vergonha por ter nascido, quando todos diziam que eu não deveria ter feito isso. Nunca deveria ter feito isso. Eu entendo vocês e sinto muito pelo inimaginável transtorno que tenho causado há 25 anos. 25% de uma vida. 25 anos, 10 anos do ápice dos meus dias e enfim é chegada a hora de limpar os mofos que tomaram conta  dos monumentos que tanto admirei, é chegada a hora de me limpar das fezes e do sangue acumulados em minha pele, 25 anos... o meu mundo está chegando ao fim.

Sunday, January 29, 2017

Ceticismo


Passados três meses após o mundo ter desmoronado alguns destroços ainda caem na minha cabeça. Durante todo esse período cultivei expectativas com o afinco de um jihadista, não colhi nada e meu paraíso prometido parece indescritivelmente sombrio. Não vejo nenhum futuro no qual eu prospere, não vejo nenhum sinal de sucesso nos próximos anos, não vejo nada além de fracasso, derrota e humilhação. De todas as esperanças restaram apenas um desânimo vazio e uma sonolência azul, eu me aconcheguei no desespero e me tornei cética à qualquer tipo de felicidade. Aquela menina que tinha tantos talentos, tanto potencial, na qual depositaram tantos sonhos, hoje reside debaixo do cobertor na cama da namorada que a sustenta. Mesmo aqui debaixo, a luz é rala. Todas as cabeças cortadas, as mentiras contadas, o sorriso forçado... todos riem do meu esforço agora. Não há mais nada que eu seja capaz de fazer, não há nenhuma luz no fim deste túnel. As coisas se acabam, as coisas se desmoronam e eu continuo incapaz de levantar. Todas as peças se encaixam para mostrar que eu não me encaixo nelas, que não estou inclusa. Continuarei nessa residência quente e discreta, escondida de tudo o que me cerca e dormindo o dia todo para me esquecer que estou viva...

Tuesday, January 26, 2016

repetição


O céu está derretendo e o mundo está ruindo, mas a única coisa que me atinge é o seu olhar. Meus dias se resumem a dar voltas e voltas e voltas pelos lugares nos quais estivemos e contornar com os olhos os detalhes mais imperceptíveis das suas fotos. Após um dia de trabalho, no ápice da minha exaustão, só há você na minha cabeça. Você é um tipo raro de joia, é uma pérola perdida no mar, é a minha purificação após o sofrimento. Todos os adjetivos que conheço e que me remetem a você não são bons o suficiente para te descrever. Meu coração está transbordando. E quando você não se sentir bem, quando se achar pequena e insuficiente, eu poderia te emprestar minha pele e você se enxergaria com sua verdadeira grandeza. Quando eu parecer distante ou lacônica, lembre-se que estou apenas tirando alguns segundos do mundo para pensar em você. Não há mais nada além disso, não há nada em mim além de você.  

Tuesday, January 19, 2016

mancadas


Saiba que às vezes me escondo nas profundezas da minha indiferença e às vezes me sinto tão ignorada que me camuflo na parede do seu quarto. Às vezes, sem deixar rastros e sem que você perceba, uso todas as minhas forças e derroto outra pessoa, aquela versão carinhosa e oposta de mim. Às vezes, deixo ela ganhar. Às vezes te deixo ganhar. Enquanto olho nos seus olhos, tento esconder o brilho do meu olhar ao ver seu rosto. Às vezes seguro meu corpo contra o seu magnetismo e evito um abraço, contra a minha vontade. Eventualmente, enquanto conversamos, engulo um elogio automático e mantenho o silêncio no ar. Às vezes não respondo seu “Eu te amo” na hora, apenas para te deixar com saudades. Às vezes evito pensar em você, mas isso eu não consigo. Meus pensamentos dão a volta em assuntos aleatórios e voltam a você. Às vezes gasto algumas horas me arrumando para te ver, ainda que já tenha me visto acordar após uma bebedeira, ainda que já tenha me visto vomitando. Às vezes procuro surpresas, iguais a esse texto, para alegrar você. Mas sei que você não procura surpresas para mim. Às vezes planejo por dias perguntas complexas e românticas que te levam a respostas emancipadoras, mas não ouço o seu “e você?”. Às vezes ignoro suas provocações e controlo minha raiva. Às vezes não. Às vezes percebo que não valho muita coisa, por joguinhos psicológicos como estes e às vezes percebo que valho alguma coisa, pelo imenso amor que guardo por você. No final do dia, quando todas as histórias foram contadas e todas as intrigas passadas a limpo, ter você ao meu lado é o meu elogio favorito e conviver com você é a surpresa mais agradável dos meus dias, da minha vida. 

Thursday, October 15, 2015

Renascimento




Desde criança, a serra me atraiu. Talvez uma força estivesse me guiando até você, desde criança, desde o seu nascimento. Você, que habita esse castelo, murado de encruzilhadas e becos, cercado de inimigos, me chama da sua torre igual a uma princesa. Cavalgo através das plantações e do calor, por quilômetros e quilômetros, por dias e dias cheios de nada até você. E sei que, ainda assim, me mantenho distante quando nos alcançamos. Desculpe essa falha, é que há áreas no meu coração inacessíveis até para mim. Sua luz incandescente iluminou o meu reino de escuridão. Sua pirotecnia tem entretido minhas horas. Sua mágica é constante e inédita. Você, que tem escalado esses morros e caído deles há tanto tempo. Você, que tem montanhas escondendo o mal que te fizeram. Talvez não perceba se isso é um prefácio ou um epitáfio. Sua pele translúcida, seus olhos profundos e todas as cicatrizes por dentro e por fora do seu corpo. Você é um lindo retrato feito acidentalmente pelos pintores do seu reino. Acidentalmente unidas por algo que parece predestinado. Ainda que o mundo esteja acabando e que os limites do nosso amor estejam desabando, ainda com todos os perigos que apenas um conto de fadas poderia ter, eu caminharei até você nas horas vagas e pensarei em você nas horas atarefadas. Me espere em sua torre e eu libertarei você. Me espere em sua torre e também viveremos felizes para sempre.

Friday, July 03, 2015

Bastardos



Eu, como bastarda, cresci igual a um animal. As pessoas não cuidam de animais, pois sabem que o esforço não vale a pena, e estão certas. Eu cresci na imundice, na sujeira e no isolamento. Era difícil de falar, era difícil de entender o que me falavam e sempre fui um grande exemplo de como não ser. Me chamavam de suja, de imunda, me comparavam aos porcos no chiqueiro. Eu me lembro de tudo isso. Mas nunca me falaram que eu deveria me limpar e como deveria me limpar. Acabei crescendo com a mente imunda, presa nas tripas e nas entranhas dos porcos que eles matavam. A mente vermelha e os grunhidos de agonia. Como eu era um amontoado de lixo, que nem ao menos tinha o mesmo sangue que o deles, não costumavam tocar em mim. Lixo é nojento, ninguém quer o lixo por perto, ninguém quer olhar para o lixo. Mas estou sendo injusta... Meus “primos”, aqueles que tiveram a sorte de nascer na gloriosa estirpe daquela família, não gostavam de ser abraçados e então, quando os pais deles queriam ensiná-los como deveriam se comportar ao serem abraçados, eles me abraçavam e falavam “Viu? É assim que você tem que se comportar” e me colocavam rapidamente no chão para abraçar os verdadeiros herdeiros. Eu gostava de abraços naquela época, mas agora perderam a graça. Me deixavam sem roupa na puberdade, no quintal, enquanto todos estavam vestidos e jantando. A vida é maravilhosa. Deveriam ter me amarrado, só os gritos não foram suficientes. Eu fui um bom exemplo nisso, um exemplo de como ser subordinada e educada. Minha mãe sempre me disse: “sempre seja gentil com as pessoas, pois elas têm sentimentos, não as magoe” e ela dizia mais “cresça e seja melhor do que eles, consiga muito dinheiro e mostre a todos que estavam errados”. Bom, eu não consegui nenhum dinheiro, mãe. Eles estavam certos, sobre tudo. Eles estavam certos sobre o animal que eu sou, o saco de lixo que deve ser incinerado. Você sempre soube disso, desde o meu nascimento você sabia que eu estava destinada ao fracasso. Todas essas garrafas, todos esses maços e as cartelas de comprimidos. É engraçado como o mundo molda o seu pensamento... Eu sempre acreditei que merecia passar por tudo isso porque eu era uma bastarda e bastardos deveriam ser tratados do jeito que eu fui tratada, como pessoas de segunda classe, como estorvos... Sempre achei que eles estavam certos e eu estava errada. Até que um dia me falaram “você sofreu muito”... E então eu percebi que eu não era a agressora. Mas acho que o estrago é muito grande. Talvez até houvesse chances para mim se a criação tivesse sido diferente. Mas agora isso já está no meu corpo, na minha mente... Não há mais nada para fazer. Eles queimaram tudo o que eu tinha. E eu, como lixo, tenho a obrigação de contaminar a todos. Mundo, mundo, vasto mundo... Prepara-se. Ninguém estará a salvo enquanto eu existir. Alimentem-se bem, por favor, pois eu me alimentarei de vocês. Da sua carne, dos seus medos, dos seus olhos... vocês não estão seguros.

Saturday, June 27, 2015

O Porvir





Estou enlouquecendo e a sensação é agradável. Não há mais a necessidade de se desculpar pelas falhas e pelos acidentes cometidos, há apenas a necessidade de torna-los reais. Todo esse calor no peito, todos os calafrios a cada pequena destruição, o sangue para as grandes destruições. Eu tenho um bom plano na cabeça, uma arma grande para perfurações profundas e certeiras. Bombas vermelhas. Não gosto de tortura, será algo rápido e letal. Será algo indolor. E depois, quando a fumaça tiver baixado, haverá um colorido diferente no chão, um cheiro diferente no ar. Talvez seja a hora de começar a sentir medo, mas estou feliz. Estou eufórica com o porvir. Todas essas novidades, um jardim repleto de boa sorte, o olhar descansado e a boca corada, nem parece que sou adulta. Talvez não haja mais tempo para ser. Sinto como se tivesse voltado no tempo, tudo o que sempre desejei se tornou real. Nós sabemos que isso não vai durar muito tempo. Nós sabemos que talvez nada disso aconteça, que talvez seja apenas um delírio cotidiano, igual a todos os outros. Mas talvez eu realize algo grandioso, igual sempre disseram que eu realizaria. Algo que toque a alma de cada animal na humanidade. Eu vejo todos esses mártires e suas bárbaras proezas. Eu os sigo como exemplo, enquanto os outros continuam a linchá-los postumamente. É uma sensação muito agradável essa. Esses arrepios, a visão de um mar de sangue... Os órgãos espalhados pelas paredes, a maciez ao tocá-los, a maciez ao mordê-los. Parece delicioso... Tudo o que está porvir parece muito empolgante e consolador.

Sunday, May 10, 2015

Recorrência


Há cinco anos isso começou a me tranquilizar. Eu tinha uma data e o método planejados. Minha mente já estava pronta, eu estava preparada. Mas o inesperado aconteceu e a correnteza se acalmou. Agora eu voltei aos mesmos métodos. Esses pensamentos, que me acalmam, essa recorrência só me faz ter certeza de que acontecerá de novo e de que, mais uma vez, precisarei contar com a sorte para sair disso. Precisarei de mágica, do inesperado, para que as coisas se resolvam. Não tenho uma data por enquanto. Essa tristeza ainda está se encaixando no meu corpo. Tudo é bem claro e bem nítido. A vida é compreensível e consigo enxergar o início e o fim das peças que me montam. Consigo enxergar tudo isso, claramente. Consigo enxergar o vazio de um universo cheio de vácuo. Um universo sem vida e sem deus. Tudo faz sentido, todas as peças se encaixam, tudo se justifica. Esses pensamentos, o silêncio só costumava vir em momentos de crise. Mas agora todos os segundos são momentos de crise. A dor de cabeça, o cansaço, tudo... tudo isso não deveria estar acontecendo. Eu não deveria ter acontecido. Eu estou errada desde o começo, cada célula no meu corpo é errada. Estou exausta. Vou corrigir o erro de uma vez...


Thursday, April 02, 2015



Eu acredito que sempre fui uma especie de brinquedo. Um daqueles brinquedos comprados por impulso que você simplesmente enjoa e deixa de lado com o tempo. Acredito que fui esse tipo de brinquedo a minha vida toda. Fui a sensação do momento em um segundo e a escoria do mundo no segundo seguinte. Todos esses ápices e declínios moldaram a minha vida curvilínea, ladeira a baixo. Não há muito o que se esperar de alguem como eu, você ja sabe como termina, ja conhece a surpresa. Eu sempre fui uma grande vergonha. Meu nascimento foi uma vergonha e consegui ser rejeitada pelas minhas três familias. Sou considerada irresponsável e insensível. Fria como um objeto, como uma boneca deixada de lado para a doação ou reciclagem. Não sei lidar com as pessoas porque não convivi com elas. Passava os dias trancada na minha redoma de vidro, cercada de alienígenas e pornografia. Não há muito o que se esperar de mim senão o fracasso. E você, que ainda possui expectativas sobre um estorvo como eu, não se preocupe... Te levarei comigo e afundaremos todos juntos na desgraça da minha existência.

Sunday, March 22, 2015

Vai melhorar.


Quando somos crianças temos grandes objetivos de vida. Tudo é maravilhoso porque tudo está distante. Mas você cresce e os sonhos se apagam, a vida se torna impossível. Cada sonho se torna uma estrela, infinitamente longe e brilhante, te assombrando pela janela nas madrugadas de insônia. Essas noites tristes estão voltando com a mesma frequência de antes. Estou perdendo o controle de novo. O controle que sempre falaram que eu deveria ter sob os grandes objetivos que sempre disseram que eu teria. Eu deveria ter. Para apagar os sinais da bastarda que sou na família racista na qual cresci. “Você precisa ser maior, precisa ser grande, precisa ser melhor”, diziam. E eu acreditei. Acreditei que eu teria potencial. Eu li tudo o que me deram, li tudo o que me falaram, li mais do que precisaria, mais do que são capazes de entender, eu estudei até o ápice do meu cérebro, eu me castiguei a cada erro, a cada desaprovação e humilhação. Mas não foi o suficiente. Me desculpe, não foi o bastante. Tudo o que eu fiz não foi o bastante. Me esforcei tanto para nada. Andei descalça no gelo, só para provar que eu seria capaz. Mas não foi o suficiente. Foi sufocante. O céu está caindo sob minha cabeça e não há nada por cima dele. Me desculpe por decepcioná-los sempre, diariamente, a cada segundo. Eu compreendo como vocês se sentem, eu compreendo a vergonha. Eu também me sentiria assim se tivesse um fardo incapaz de cumprir ordens simples. Eu entendo e peço desculpas sinceras, de todo o meu coração. Mas não se preocupem. Sempre ouvimos que as coisas vão melhorar... e vão mesmo. Tudo vai melhorar e a vida sorrirá para vocês novamente. Sem estorvos ou pesos para carregar. O quarto ficará limpo e as vergonhas serão redimidas... esperem e o sol iluminará os seus dias novamente, assim como iluminava antes de mim... tenham apenas um pouco mais de paciência e verão... vai ficar tudo bem... tudo bem de novo.

Monday, January 26, 2015

Destruição


Não sei se deveria compartilhar isso, mas a essa altura não faz muita diferença. Eu tenho uma mutação genética presente na família, que me torna ligeiramente inclinada ao caos. Todos os membros da minha gloriosa família de "ninguéns" sofrem com esse mal e estamos diariamente buscando destruir e dar uma razão a nossa existência simultaneamente. Esse pequeno “desvio do padrão aceito” começou, até onde tenho noticias, com meu bisavô e sua suave tendência hedionda. Seu crime foi tão violento quanto às evidências que ele deixou para tras, o que não deixa de ser a outra face da família: a desorganização. Daí em diante ninguém, ao menos não até o momento, conseguiu superar sua barbárie, mas estamos nos empenhando, inconscientemente, para que isso ocorra o mais breve possível. Temos esse gene egocêntrico e assassino que nos faz querer nos destacar por nosso vazio e agressividade. Cotidianamente preciso tomar o controle de mim mesma para que acidentes não ocorram, preciso olhar para os dois lados várias vezes antes de atravessar a rua e pensar em todas as falibilidades possíveis antes de me empenhar numa possível agressão física com estranhos. Eu luto contra esse desejo genocida todos os dias, antes de acordar até a hora de dormir, meus pensamentos se concentram nos órgãos e na carne alheia. Houve momentos em que estive muito próxima de perder o controle, não sentia mais empatia pela vida humana e já não respeitava mais as regras sociais. Em momentos de crise também perco o respeito pela minha própria vida, e a vontade de causar dano aos outros é maior do que a de me manter viva. Meu acidente, há dois anos atrás, em parte ocorreu devido a esse ódio inconsequente e misantropo. Desde então estive bem, mas as coisas têm piorado miseravelmente... e eu sei ler os sinais da minha insanidade, escritos por gerações de perdedores na minha genética caótica...

Wednesday, December 10, 2014

Perdidos



Tem algo de errado conosco. Já nascemos errados, com nossa supremacia genocida, nossa raça de ditadores individualistas, mestres na arte de não se importar. Já nascemos meio mortos, eternamente presos nas grades que levantamos para nos proteger do próximo: esculpimos nossas casas em cima dos formigueiros, construída por mãos cansadas, com a madeira suja de ninhos destroçados sob o céu manchado de fumaça. O trajeto humano é feito da imundice, dos massacres e das escravidões. Guerreamos batalhas eternas, infinitas como o nosso ego e nunca ganhamos nada. Encarceramos, modificamos e criamos monstros deformados, fracos, cambaleantes, desnutridos, precocemente natimortos para preencher o vazio das nossas entranhas saciadas. Eles nascem para sofrer, nunca andarão, nunca verão o sol, nunca sentirão a terra, nunca ciscarão ou correrão e, ao fim, sua carne sagrada, cheia de sangue e de magoas, será um pedaço de carne desperdiçado no seu prato, um bife estragado no fundo da sua geladeira. Tudo em vão. Somos assassinos asquerosos, sádicos e arrogantes. Tivemos um planeta inteiro, tivemos muito tempo para evoluir e nos emancipar da maldade bestial e cega que está infinitamente aquém do instinto mais básico de qualquer outra criatura da Terra. Tivemos todas as chances e desperdiçamos tudo... Ninguém está vindo para nos salvar, ninguém está tomando conta de nós e ninguém nos redimirá de nossos erros. Muito provavelmente não existe nenhum deus ou entidade ou espírito ou anjo ou qualquer coisa para nos salvar de nossos pecados. Vamos nos extinguir nos próximos séculos, sufocados com nosso próprio veneno, presos numa cela pequena demais para nossas ambições. Nascemos com facas cirúrgicas, crescemos entre paredes estreitas, em salas lotadas, sem nunca podermos sair e sentir o sol da manhã na pele e sentir o entardecer nos ossos... Trabalhamos por décadas da nossa vida curta para sobreviver, assinamos contratos vendendo a alma e, com a mesma violência de um animal, destruímos qualquer concorrente que ameace roubar nosso cargo nojento. Aos poucos, cada um de nós, joga um punhado de terra na cova coletiva que cavamos para nos enterrar vivos. Seremos mais um planeta morto, assim como muitos outros no vácuo do espaço, cuja civilização será escondida na fumaça e nunca nenhuma criatura chegará até aqui para conhecer os registros cotidianos de nossas vidas infelizes, desnecessárias e nocivas. Melhor para eles... 

Tuesday, September 30, 2014

Socorro



As pessoas reagem de formas diferentes às perdas. Eu tenho minha forma de reagir: eu volto ao passado e me torno o que costumava ser. Esse ano tive muitas perdas: perda da auto estima, do orgulho, do capital, das oportunidades e, por pouco, a perda da minha base vital. Cada um reage a sua forma às perdas. E eu estou piorando. Estou tentando pedir socorro. Voltei a fazer todas aquelas coisas que eu sempre soube que não deveriam ser feitas. Os cortes, a forca, os remédios, a bebida... nada é capaz de me acalmar. Eu preciso de ajuda, sei que estou doente, mas não sei como pedir ajuda. Preciso me libertar de todos esses pesares e fracassos. Sei que existem outras possibilidades mas estou cansada demais para tentar. Me sinto tão infinitamente triste. Tão sozinha e abandonada. Me sinto abandonada até pela minha sorte e pelos meus protetores. Parece que eles também desistiram de mim. Parece que todo mundo desistiu de mim. Estou reduzida à minha invisibilidade. Não consigo reagir à tantos golpes. Cada pancada levou um pouco do que eu tinha construído, levou um pouco de quem eu era. Talvez seja o momento de parar de lutar contra o mundo e me unir à ele. Talvez seja o momento de desistir de mim mesma também... 

Wednesday, August 20, 2014

Vingança



Eu me considero uma pessoa caridosa. Sempre tento fazer o bem, pois sei que se não o fizermos, não há nenhum deus para fazê-lo por nós. Estamos sozinhos. Sou uma pessoa caridosa. Retribuo o bem que me fazem e relevo o mal que destilam em mim. Mas nunca me esqueço de nenhum dos dois. Por isso, tenha certeza, não me esquecerei do que vocês estão fazendo comigo. Como eu poderia esquecer tudo isso? Como eu poderia relevar toda essa injustiça e humilhação? Eu não seria humana se esquecesse e, nitidamente, sou muito mais humana do que todos vocês. Eu não me esquecerei. Temos o mesmo tamanho mas para vocês sou menor, vocês se acostumaram a me ver menor: menos inteligente, menos competente, menos interessada, menos proativa, menos necessária... sou todos os menos do universo no universo de vocês. Mas essa ampla magnitude de menos é restrita ao universo que vocês criaram para me isolar. Eu não me esquecerei do que estão fazendo comigo e vocês finalmente olharão nos meus olhos, ficaremos cara a cara. Todos os outros sabem do meu potencial e da minha capacidade. Para eles, e para mim, eu não sou a menos tudo, mas sim a melhor. Acredita nisso? Sou a melhor. Todos me elogiam, todos me reconhecem, todos sabem do que sou capaz. Menos vocês. Vocês não me veem porque escolheram não olhar para mim. Vocês me descartaram antes que eu pudesse crescesse. Mas eu cresci. E é por isso que vou fazê-los se lembrar de mim. Eu vou entrar na sua mente, estarei dentro de cada pesadelo. Eu vou fazer com que se arrependam e se envergonhem de si mesmos. Minha raiva é tão grande, é tão vasta, é tão irrestrita que se tornou onipotente. Vou tornar o impossível realidade e condenarei a alma de vocês. É impossível para vocês, não para mim. Vocês não sabem do que sou capaz: desperdiçaram muito tempo olhando para baixo e não me viram, não perceberam que me tornei maior do que vocês.


Saturday, April 05, 2014

Poeira.


Eu sou um animal. Vivo desprovida de objetivos e sonhos, igual a um animal. Vivo presa aos meus próprios instintos, ao meu hedonismo e a minha libido. Um animal que reage com violência quando atacado. Sou um animal e você é um ser humano. Por isso somos tão diferentes. Sempre me disseram que sou calma, converso com tranquilidade e não me assusto quando um prédio desmorona ou uma estrela explode. É porque eu não me importo, não tenho nada a perder e nem a ganhar. Na minha frente só vejo a realidade. Não me disfarço com lantejoulas de auto complacência ou purpurinas de afeto. Já desisti de mim mesma. Eu não tenho mais sonhos, nem ideais, apenas necessidades básicas. Apenas a sobrevivência em uma civilização hierárquica. Nunca tivemos nada e, por não termos nada, buscamos ter algo em coisas que não são nada. Um emprego melhor, um cargo maior, mais dinheiro, mais garotas. Eu não consigo viver para isso. Eu me drogo, eu bebo sempre que posso, eu não me importo. Não me importo com as contas, com a sua reputação, com a minha saúde. A vida deveria ser maior do que isso. Todas as batalhas que lutamos, todas as batalhas que você já travou foram inúteis. Foram por dinheiro, não por você ou pela sua emancipação como ser humano. Eu jogo dinheiro fora, eu ajudo quem quer ser ajudado. Porque eu não me importo. Se eu estou viva e bem alimentada, embriagada, para que se importar? Há um universo atrás de você e você mesmo é um universo. Olhe para si mesmo e perceba: o que você fez da sua vida? Suas esperanças são piadas e suas realizações são poeira. Para que se importar?

Tuesday, March 04, 2014

Desprezo



É hora de acordar. Mas algo puxa minha cabeça para baixo, para debaixo dos meus cabelos, aonde eu possa me esconder e me espreitar. Preciso lavar o cabelo e arrumar o quarto. Preciso arrumar minha vida. Sair daqui e queria te levar comigo, aonde quer que você esteja. Aonde você está agora? Com outra garota, talvez? Provavelmente em algum lugar melhor do que do meu lado. Me sinto tão idiota em ficar remoendo todas essas memórias absurdas. Mas o que se esperar de mim? Eu me lembro de cada palavra, de cada gesto que veio de você. Eu copiei seus vícios e seus defeitos. Eu repliquei suas qualidades e encantei outras garotas imitando você. Deixei um rastro de vítimas inocentes de uma vingança sem sentido apenas para satisfazer o meu ego, assim como você fez comigo. Eu me tornei você apenas para ficar mais próxima de você. Mas nada disso importa. Sempre que tento de novo, me machuco de novo, e de novo, e de novo. Para que me levantar se é para cair mais uma vez? Estou tão exausta de ficar aqui esperando que você volte. Eu sei que isso nunca vai acontecer, mas o impossível não me impede de te esperar. Veja como eu cresci, como me desprendi de você. Você não queria independência? Não queria respirar? Não nos falamos há quase 10 anos. Você respirou o bastante, não respirou? Me deixe te mostrar que eu mudei, que estou diferente, estou mais bonita. Você vai me amar como eu te amo. Só me dê uma chance e volte para mim, por favor... por favor, me dê um motivo para me levantar.


Friday, January 17, 2014

Grande erro



Você me fez chorar e eu te parabenizo por isso. Eu, no alto da minha embriaguez, no alto do meu desprezo, como eu poderia pensar em chorar? Parabéns, você venceu. Eu não lembrava que havia qualquer sentimento em mim, ainda que seja de dor ou de ciúmes ou de inveja. Eu tenho sentido tudo isso quando olho para você. Tenho sentido o meu pior por te dar o meu melhor. Tenho gritado por dentro e sofrido todos os dias ao pensar em você. Eu te disse que não preciso disso e continuo dizendo que não preciso, que sou melhor, que consigo algo melhor. Mas hoje, após tantas cervejas, olhei novamente para você e para todos os seus méritos e o choro veio tão espontaneamente que não percebi e tive que me esconder para que os outros também não percebessem. Como isso foi acontecer? Eu achava que tinha tudo sob meu controle. Eu faço minhas próprias regras e eu moldo as pessoas aos meus critérios. Mas, então, tudo deu errado e as minhas regras se voltaram contra mim. E agora eu vivo de expectativas e expectativas e tudo isso é tão desgastante e tão desnecessário, mas é o que me anima para continuar, ainda seja apenas para rastejar e seguir as pegadas de pessoas que estão acima de mim... iguais a você. 

Monday, November 18, 2013

Sunday, September 01, 2013

Escondida



Algumas dizem que está no meu rosto,
Está no meu jeito de andar, no meu olhar.
Elas dizem que sempre souberam
E que, não importa o que eu faça, sempre saberão.

Não há fuga, não há escapatória,
Elas sempre saberão quem eu sou.
Elas sempre saberão quem somos.
Não há como esconder, não há como mudar.

O batom na boca, a bolsa no ombro,
Tudo como manda a etiqueta.
Me fantasiando de alguém que eu não sou,
Vivendo num mundo ao qual não pertenço.

Me vestindo de monstro,
Usando o cabelo para esconder o rosto,
Há algo na minha essência
Que continuará lá, intocável.

Aguardando para ser descoberto,
Redescoberto, escondido de novo,
E então exposto.
Há algo na minha alma que não mudará.

Elas olham para mim, falam de mim,
Sei que algumas nutrem um desejo oculto,
Escondido de todos os outros.
Outras mostram sua repulsa,
Elas têm medo de mim...

Pois eu não sou o que deveria ser,
Eu não sou como elas,
Somos diferentes, pensamos diferentes,
Opostas dos desejos aos medos.

Eu me escondo nessa fachada rasteira,
Nesse armário de cristal,
No qual você pode me ver
E pode falar para os outros sobre mim

Eu me escondo,
Não por vergonha ou preguiça,
Ou constrangimento,
Eu me escondo por medo.

Medo da exposição à qual serei colocada,
Medo da violência, que já sofro
Mesmo trancada aqui dentro.
Medo que você não olhe mais para mim...

Há tantos motivos para não falar,
Há tantas razões para continuar assim,
Sozinha, enquanto o mundo muda lá fora,
Enquanto o ar não acaba aqui dentro, fica rarefeito...

Eu penso “por quê tudo teve que ser desse jeito?”



Wednesday, July 17, 2013

Esteriotipos


Eu não quero ser um esteriótipo. Tenho fugido disso há tanto tempo, tenho feito o meu melhor para me esconder. Não quero que descubram. Não quero ser um esteriótipo e ter que tentar adivinhar o que pensam de mim. Eu sei que as coisas não são tão difíceis
. Sei que o mundo não vai acabar. Mas também sei que há muita raiva e ódio internalizados e não quero arriscar. Tenho muita coisa a perder e o armário é o meu esconderijo. Não entre, não me tire daqui. Não quero ser um esteriótipo e representar as lésbicas como um esteriótipo. Não quero isso. Não quero assim. Eu faço tudo o que posso para apagar todos os sinais, todos os resquícios de quem eu sou. Não faço as unhas, mas uso maquiagem. Não faço academia, mas mantenho a forma. Não namoro meninos, namoro meninas. Então porque não me deixam em paz? Eu não sou um alvo, não quero ser um alvo. Me deixem em paz e permitam que eu passe despercebida pelas suas vidas. Há tantos velhos, homofóbicos e evangélicos lá fora. Não quero que eu, minha namorada e meus filhos, que um dia nascerão, se tornem alvos fáceis por causa da minha masculinidade. Só quero que me deixem em paz, aqui, escondida dos seus olhares e comentários maliciosos. Protegida de toda a humilhação que há lá fora.

Sunday, July 07, 2013

Medo


Olhe ao seu redor. Olhe ao seu redor. Olhe ao seu redor. A redenção se torna medo e o desconhecido invade o espaço ao seu redor. Eu tenho medo. Tenho muito medo. Mas sei que estão aqui. Fechei todas as janelas, tranquei todas as portas, coloquei os cachorros para fora de casa e o gato para dentro do quarto, ao meu lado, para me proteger do inevitável. Olho pelas frestas esperando ver o que não quero ver. Olho fixamente para os pontos, mas se algo se esboça eu viro o olhar. Meu coração dispara com seu próprio batimento. E me assusto com meu próprio reflexo no espelho. Tenho medo, tenho tanto medo. Estou apavorada. Eu sei que não há como fugir, sei que não me farão mal. Mas ainda assim tenho medo. Eu sei que isso deveria ser algo bom. Eu faço parte de algo muito maior e parte de mim ajudará algo que está além de tudo isso. Mas por que sinto tanto medo? Eles não me deixarão lembrar, tudo não passará de um sonho que será esquecido. Não vai doer, não vão deixar que doa. Eu sei disso. Mas a noite é escura demais para tanta luz... 

Saturday, June 29, 2013

Morgana


Minha querida garota,
A sua essência tem sido vítima de denúncias,
Desaprovações e repressão.
A sua essência tem sido vítima do mundo,
Mas se mantém intacta e incorruptível.

Eu jamais pensei que encontraria alguém como você
Eu era igual a você
Antes de me despedaçarem em farelos
Eu era igual a você

Mas você, apesar das marcas no rosto,
Apesar das marcas no coração,
Se mantém intacta.
E toda sua inocência, toda sua compaixão,
Seu carinho e afeto pelo mundo
Me comovem.

Não posso te dizer isso
Pois não temos intimidade suficiente
Você, e seu nome lendário,
Seu sobrenome báltico,
Como é possível que você exista?

No futuro, os religiosos se questionarão
Como alguém pôde preservar tanta pureza
Frente a tantos problemas.

O universo se expande
E as leis de física se chocam
Com toda a sua bondade



Sunday, June 23, 2013

Recomeço


Há poucos segundos passei por essas mesmas ruas .. e agora tudo mudou. Os galhos das árvores, as placas de trânsito, o asfalto, a calçada. Tudo mudou. Eu mudei. Não sou mais quem eu era e voltei a ser o que costumava ser. Voltei a ser o que fui projetada para ser. Olhe para mim. Olhe nos meus olhos e responda: quantas vidas as estrelas, lá longe, lá no céu, salvaram? Quantas vidas já vivemos enquanto elas apenas nos assistem morrer? Somos tantos, somos tão grandes, tão grandes, tão grandes! Tão grandes na nossa pequinês. Somos gigantes. De que outra forma eu poderia ter compreendido isso? É uma verdade tão fácil e disponível que ninguém consegue entender. Agora que tudo voltou ao que deveria ser, a minha vida recomeça...



Sunday, June 02, 2013

A Verdade



Tudo o que há de bom passa pela janela. O sol atravessa o céu, os cachorros vasculham as ruas e as folhas caem no gramado. O mundo caminha e a vida segue, como sempre seguirá, nos pormenores cotidianos. Os pássaros assombram a cortina com seus vultos, as pessoas passam pelo meu carcere monetário conversando trivialidades, o vento sopra a canção da liberdade e tudo o que eu posso sentir disso são as gravuras feitas pela luz no carpete do escritório. As luzes estão vivas. Por que nos preocupamos tanto com o desimportante? As pessoas se cegam, se rebaixam, se devoram. Canibalismo corporativo, canibalismo social. Lá fora existe um universo  com estrelas, nebulosas, galaxias, cometas, buracos negros, discos voadores, luzes, planetas e asterismos. E nem olhamos para o céu, nem olhamos para nós mesmos, para os outros. A vida está passando pela janela... enquanto fabricamos dinheiro. 

Saturday, June 01, 2013

22 anos


Hoje é meu aniversário. Muitos anos se passaram desde que eu nasci.
Dez anos se passaram desde a idade que eu sempre quis ter. Hoje sou dez ano mais velha.
Me odiavam naquela epoca. Me odeiam hoje. E me odiarão daqui há dez anos.
Tudo o que eu relo se destroi, se despedaça.
Mas ainda assim, nesse dia comum, posso dizer que sou uma pessoa de sorte.
Alguns considerarão minha sorte um azar, mas para mim ainda assim é sorte.

Lá de cima, com olhos cientificos, estão me observando. Não sei o que querem, mas sei que estão olhando pra mim... 

Tuesday, February 26, 2013

Barreiras



E o ápice já passou
Se a vida fosse um gráfico
Agora viria a queda
Da glória à derrota
Eu rezo
Mas não acredito em rezas
Que venha um câncer
Uma doença ou um acidente
Que me afaste desse mundo
Por algum tempo
Ou se possível
Que me torne inapta ao trabalho
Mas apta a vida
Por muitos anos
Quiçá pra sempre
Estou cansada
De tantas humilhações
E constrangimentos
E desilusões
Me jogaram aos leões
E agora
Sou devorada lentamente
Dia após dia
Mas estou viva
Eu ainda estou viva
Posso sentir
Posso gritar
E se não fosse por você
Eu já não estaria aqui
Eu não quero mais ficar aqui
Mas não quero te deixar sozinha
Só vivemos uma vez
Só uma vez
E eu desperdicei
Todas as minhas chances
De viver








Monday, February 11, 2013

Todos nós

Venha com todas as suas armas
Todo o seu desprezo
E descarregue sua munição em nós
Venha com toda a sua força
Chame seus amigos
Seus companheiros na luta
Pela nossa negação
E estraçalhe a todos nós
Venha até nós
Com pedras nas mãos
E facas na língua
Venha e nos devore
Nos restrinja à sarjeta
Ao lixo, à escória
Condene nossa alma ao inferno
E a nossa vida à escuridão
Corte a nossa luz
Apague nosso fogo
Incendeie nossas casas
Nos expulse de cada emprego
Faça com que passemos fome
Com que sejamos presos
E condenados
Estrupe o corpo e a mente
E, no seu discurso diário
Que ecoa pelo Governo
Pela Igreja e pelas escolas
Pelas ruas
Diga ao seu rebanho
Que a culpa é nossa
Que nós escolhemos essa vida
Que nós merecemos isso
Que nós estamos errados
E que vocês estão certos
Cegue os olhos de todos
Faça com que nos ignorem
Faça com que não nos vejam
Negue a nossa dignidade
E a nossa batalha
E a nossa felicidade
Ainda assim
Nós estaremos aqui
Escondidos embaixo das pedras
Que vocês jogaram
Nós ainda estaremos aqui
Vocês podem não nos ver
Podemos passar ao seu lado
Olhar para você
Mas você não nos verá
Você não quer nos ver
Após tantas surras
Podemos até ser invisíveis
Mas ainda estamos aqui

Sunday, February 12, 2012

Stand Up.



“O mundo é um lugar horrível”,
E eu devo concordar com você.
Animais mortos, esquartejados e indefesos.
Crianças estupradas e destripadas em frente a câmeras.
Todos aplaudem, todos riem.
Piadas com deficientes mentais, físicos.
Linchamento de mendigos.

“O mundo é horrível”...
Lá fora, na rua, cães se mordem e se despedaçam.
E correm das pedradas dos vizinhos.
“Do que você está rindo?”
O cigarro que dá câncer, a bebida alcoólica no tanque do carro.
O desamparo, a solidão, o trabalho.
“Do que você está rindo?”

Os cortes, as cicatrizes feitas com tampas de garrafa,
Os tufos de cabelo e a marca de corda no pescoço.
Ajoelhado no quarto escuro, imundo.
Infiltrações na parede, varizes na pele.
“Você não tem mais o que fazer?”

E você que ri de tudo...
“Você acha isso engraçado?”
Você que ri de quem está caído.
“Você é cego?”
Por que você acha isso engraçado?
“Você não tem mais o que fazer?”
É um mundo horrível. Um mundo trucidante.
“Mas quem se importa?”
Um mundo assassino...

foto de Bernard Faucon

O passado.



Você se lembra de mim?
Costumávamos dançar juntas, ás escuras
Na madrugada, enquanto caminhávamos naquela trilha de terra
E o crepúsculo, e a lua cheia ainda no céu da manhã
Eram as únicas testemunhas de nós duas
Você se lembra?

Isso foi há muito tempo,
Uma vida inteira... agora a trilha de terra tem gente
Que pode nos fazer mal.
A lua continua no céu, mas você não a verá
Pois há muros no céu.

Você ainda se lembra
Do frio? Daquela casa rosa, da areia?
Das três arvores em frente ao bar?
Arvores trigêmeas.
Elas foram cortadas... há muito tempo atrás.
Assim como nós duas.

Erámos tão livres.
Não havia tempo para perder tempo
Não havia nada que nos impedisse de viver.
Agora só me restam três horas por dia
Nas quais ainda posso te ver.

Os dias são cronometrados,
Os minutos devem ser gastos de forma produtiva,
Não há mais tempo a perder, não há vida para ser vivida.
Não há mais trilha de terra para correr.


foto de Nan Goldin

Thursday, December 08, 2011

A vida é uma festa.



Eu sou uma pessoa inconveniente.

Já me descreveram como “rabugento”, “chato”, “antissocial” e até “pagodeiro”.
Não sou nada disso, sou uma pessoa normal, pacata e reservada. Tenho todos os meus vícios, três na verdade, algumas qualidades e defeitos também. Sou controverso, não gostam de mim ao primeiro olhar e me odeiam a primeira palavra. Eu causo desconforto nas pessoas, sou sincero. Sou sincero sendo mudo seletivo. Isso tudo irrita.

Quando estou feliz, bebo até me sentir enjoado. Quando estou estressado, fumo até meu pulmão inchar e o mundo ficar amarelado como o cheiro do tabaco. Quando estou desesperado me corto, abro e reabro as feridas, até o sangue ficar aguado. E escondo tudo isso debaixo dos panos. Talvez pareça estranho, mas para mim são coisas cotidianas que passam e se alternam como as fases da lua. Com todo mundo.

Há alguns anos atrás, quando eu era inocente como uma criança recém-nascida para o mundo, tentava me socializar com as pessoas. E com as pombas da praça também. Mas não há nada que me agradasse mais do que a solidão. Gatos, ratos e garotas cujas palavras soem como poesia podem me acompanhar se quiserem, e se eu quiser. Eu ofereço um mundo próprio e utópico, entre outras grandes vantagens confidenciais. Em troca peço sigilo.

É um mundo horrível no qual não se pode ser quem você é. Mesmo que todos saibam quem você é e mesmo que eu saiba quem cada um de vocês é. A vida mais parece uma festa a fantasia, na qual todos os convidados que tiram a mascara são expulsos e tem que assistir a festa do lado de fora. Mas quem precisa de uma festa quando se tem cigarros? Quem precisa ir a uma festa? Te obrigaram a ir e você nem percebeu.

Wednesday, October 12, 2011

Expectativas



As pessoas costumam me miniminizar. Não as culpo por isso. Elas se perguntam como eu cheguei tão longe. Alguém que fala como eu, alguém que se porta como eu não chega aos lugares que cheguei. Elas me perguntam como consegui. E se questionam, internamente, sobre quais métodos ilícitos, místicos e obscuros eu utilizei para ter tudo isso. Elas realmente não entendem. Eu entendo. É uma posição muito alta para alguém que estava fadado ao fracasso. Ás ruas e aos sonhos não realizados. Eu jamais os realizarei, mas agora sou onipotente, não preciso mais de sonhos. As pessoas não entendem como isso aconteceu. Algumas acham que eu não mereço. Outras, por dó, se mostram felizes. Mas ninguém entende. Ninguém percebe que eu apenas superei todas as expectativas...

Sunday, September 25, 2011

Dias dificeis.




Eu ascendo um cigarro e me desvio da fumaça. Você pediu para que eu parasse de fumar. Mas estou entendiada e todas essas parafernálias jogadas pelo quintal só aumentam o meu tédio. Eu sou a rainha do mundo. Eu posso quebrá-las. Eu ando de bicicleta, gritando com as coisas do quintal. Peço para que se desviem do meu trajeto e saio driblando entre duas rodas todas essas coisas inúteis. Eu sou a rainha do mundo. Mas cortei meu joelho cheio de cicatrizes enquanto andava de bicicleta. Gostaria de quebrá-la no meio. Levantá-la pra cima, acima da minha cabeça, e jogá-la no chão com força. E então eu bateria no peito, igual a um animal, a uma selvagem, e chamaria os outros pra cima. Venham e eu acabo com vocês. Gostaria de quebrá-la. Esses tem sido dias tristes. Ter conseguido tudo o que eu sempre quis me fez mal. Agora acho que consigo tudo o que eu quero. Mas não posso te dar aquilo que você tanto deseja. Eu fiz promessas, eu me sacrifiquei e me machuquei deliberadamente. Te ver triste me irrita. Você diz que estou cansada. Ascendo outro cigarro. E a fumaça lacrimeja meus olhos.

Sunday, May 01, 2011

Genealogia



E chovia muito naquele dia também. Assim que eu soube da morte dele, um vento frio atingiu meu rosto, chacoalhou as roupas no varal, as folhas das árvores no quintal e começou a chover. E desde então, não parou mais. E a sensação de impotência voltou. A minha filha também não parou mais de chorar. As mãos ensopadas de lágrimas, o lenço úmido. Sem consolação. E que consolação poderia haver? Ela perdeu um filho e uma sobrinha muito querida. No último mês eu perdi dois netos. E os perdi de maneira evitável. Eu podia ter evitado a morte deles. Mas o destino sempre nos prega peças desagradáveis. O tempo todo com peças desagradáveis. Foi verdadeiramente trabalhoso chegar ao funeral. Ele morreu muito jovem. Mas não sei se daria a minha vida em troca da dele. Nesse momento, talvez, sim. Mas mesmo tendo o triplo da idade, eu sinto que vivi muito menos do que os meus dois netinhos. E creio que as pessoas sentadas ao redor do caixão, algumas chorando, algumas de cabeça baixa, tristes, fingindo que se importam, mas na verdade só se resignando com o tempo lá fora, também pensam assim. Ninguém se importa de verdade. Se se importassem não teriam agido com tanta má fé, tanta falta de cuidado com eles. Isso de se importar depois de ter falado tão mal, de ter apunhalado pela frente e pelas costas pessoas sem opções e sem qualquer outra escolha, não existe. Não, não existe. Não me conformo com isso. E ainda vêm até aqui, dar os pêsames. Pouca vergonha e falta de cara de pau. Bom... Pelo menos deram os pêsames. Talvez, de fato, estejam arrependidas. Eu, no lugar delas, também estaria. Mas parece que já gastei todo o meu estoque de lágrimas nesse mês. E fica tão feio não chorar no enterro do próprio neto. O caixão descendo, as flores caindo. E ele finalmente desapareceu de nosso contato físico. E como estava acabado, não? A pele estava seca, como a de uma múmia. O rosto muito magro, os braços finos e as cicatrizes de brigas e tiros pelo corpo. Como isso foi acontecer, hein? Como tudo isso aconteceu? Parece que ontem mesmo ele corria pela casa, pequenininho, o macacão azul sujo de papinha. Sorrindo, assistindo televisão e esperando o pai vir buscá-lo para sair. O tempo passa rápido demais. Talvez se tivéssemos mais tempo para pensar nas nossas atitudes, nas nossas falas, tudo seria diferente. Teríamos mais controle sob a nossa própria vida. Minha filha não pára de chorar. E por mais que eu a abrace e tente animá-la, a dor não sai. Dê uma boa olhada, aí de cima, Murilo. Veja quanta gente sofrendo por você aqui embaixo. Por que foi se meter com as drogas? Sua vida era difícil, eu sei disso como ninguém. Mas a nossa também não era fácil. Não tinha por que dificultá-la ainda mais. Talvez seja castigo. Nós podíamos ter feito mais por você, mas naquela época não sabíamos que as coisas acabariam dessa forma. Será que foi o divórcio dos seus pais? Mas, tantos pais se divorciam por aí, e os filhos não mexem com drogas por causa disso. E a Luiza, então? A mãe distante. Só ficou sabendo que a filha se matou duas semanas depois do funeral. Não conseguíamos falar com ela. Se mudou de casa e não avisou ninguém. Nem a própria filha. E chorou tanto quando soube. Deu até pena. Deu pra ver, no fundo dos olhos vermelhos, que apesar dos pesares, apesar da distância, ela se importava, sim. Se importava muito. E a filha, talvez, nunca soube disso. Talvez a Luiza também não soubesse o quanto era querida por mim. Eu a vi nascer, vi meu filho abraçá-la com a ternura que eu o abracei quando ele nasceu. Eu a vi crescer, tímida e isolada de tudo e todos. Mas extremamente inteligente. Não creio que ela tenha enlouquecido de tanto estudar, como falaram as más línguas por aí. Alguém que é tão inteligente assim não faria umas coisas dessas só por que o cérebro não cabe mais na cabeça. Não dá, não faz sentido. E eu vi tudo isso, Luiza. Eu vi a vida de vocês dois. E agora a minha vida é uma extensão das memórias de vocês. Tal qual uma mala velha, desbotada por fora, cujo conteúdo interno resume-se a fotos e mais fotos e mais fotos. E eu abro essa mala a cada segundo, e busco, entre as centenas de fotos guardadas, as que justificariam o caminho que a nossa vida tomou. E não encontro nenhuma foto. Não encontro nenhuma solução. E eu não me esqueci de vocês. Eu ainda me lembro muito bem de vocês. O sol de domingo paira sob a minha cabeça como uma cruz de expectativas que tenho que carregar. E a carrego com um sorriso falso nos lábios. As pessoas me cumprimentam e o sorriso continua lá. E eu tento ser sincera e dizer que já passou, que está tudo bem. Mas não passou. Embora o enterro tenha sido há muitos meses atrás, os rostos dos meus netos continuam. Eu pareço ver esses rostos na multidão. Mas olho de novo e não é nenhum de vocês. Não é ninguém. Mesmo sabendo que vocês comprovadamente morreram. Mesmo tendo visto o corpo no caixão lacrado desaparecer de mim. Ainda assim, eu nutro a esperança de que vocês não morreram. Estão vivos e encenaram a própria morte para fugir de todos os problemas do mundo. Ou que ressuscitarão e sairão de seus caixões. E os cientistas se diriam surpresos com tal fato e não saberiam explicá-lo. Mas eu sei que isso tudo é besteira. E eu não consigo evitar. Parece que eu nem vivo mais. Vivo de passado, das lembranças de vocês. E o sábado a noite perpetua minha solidão. Não quero sair de casa, não insistam. O telefone nem toca mais. Está fora do gancho há semanas. Por que fizeram isso comigo? Por que Deus fez isso comigo? Entre tanta gente no mundo, por que eu? A casa escura, as luzes queimadas, a louça suja, nada mais me interessa. Os dias passaram tão lentamente, já estamos na metade do ano. Nem parece. O tempo passa de um jeito ou de outro. Eu não me importo mais. A TV exibe sua programação diária de chuviscos. Meu programa favorito nas madrugadas. Nada mais me importa, nada mais me assusta. Seu rosto refletido no espelho do banheiro, não me assusta mais, Murilo. Desista. Você continua tão magra, Luiza. Vá limpar o sangue dos braços, tem toalhas limpas no guarda-roupa. Enxugue as lágrimas e me traga um lenço para que eu possa enxugar as minhas também. Por que vocês estão na casa da sua velha avó nessa sexta-feira a noite? Vão para as festas, vão viver a vida e me deixem sozinha. Ninguém se importará. Nem eu mesma. Agora, é a hora de me virar por conta própria. É a hora de aceitar as minhas próprias decisões e caminhar, fechada, para o fim. A luz da TV ilumina meu caminho de destroços e cinzas. A luz da TV. O que será que está passando agora? A janela parece tão longe, tão alta daqui de baixo. Pensei que sentiria muita dor, no começo, mas o tédio e o remorso predominam até na hora da morte. Acho que a eternidade me condenará pelos meus pecados, o que você acha, Murilo? Talvez nada tenha valido a pena, desde o começo.

Sunday, March 27, 2011

A Madrugada



A madrugada,
antes tão apreciada e cobiçada,
Agora restringe-se ao sono,
à minha apatia

De meia década atrás
em diante, perdi meu charme,
Eu sei que perdi, Louise

Mas estou subindo a escada
da glória e das vitórias
Consecutivas, seguidas
e redentoras

Essa falta de charme
essa falta de tato
me redimirão da vergonha
diária e familiar

Que vergonha, Louise
agora ficou para trás
Assim como o charme,
a elegância, assim como
A madrugada,
antes tão apreciada e cobiçada...

Monday, March 21, 2011

Eu nem mesmo pensei em fazer correções



Repita para mim
Aquelas palavras acumuladas em nossas mentes
Escondidas atrás de seus dentes
Suprimidas por um sorriso no canto da sua boca

Diga de novo
E você será eternamente minha
Minha favorita entre todas as outras
Apenas diga mais uma vez

Você sabe como fazer
Me apunhale e me esquarteje
Esparrame meus pedaços pela casa escura
E chore por mim, reze para que eu volte

Diga que me ama
E eu voltarei, você sabe disso
A felicidade transbordará de nossos olhos
E um abraço será um detalhe imperceptível
No turbilhão de mais uma de nossas brigas

Sunday, February 06, 2011

O Caminho.



Os campos verdes pelos quais havíamos caminhado
Em breve, retornarão ao que eram antes.
Se transformarão no deserto cinza e gelado
Do qual insistimos em nascer.

As expectativas estraçalhadas pelo caminho
Uma trilha de migalhas deixadas ao vento
Uma trilha de pegadas deixadas ao tempo
Que não escutará a clemência
Tantas vezes berrada de sua boca.

Cedo, os frutos que colhemos nessa jornada
Se extirparão na nossa fome animal
Marchamos sob uma postura humana forjada
Dançamos e cantamos embalados pelo medo.

O sangue seco que cega nossos olhos
Nos reprime com promessas de castigos
A vida torna a cada um de nós inimigos pessoais
E a luz que emana ao final desse trajeto
É muito pouca. É escura demais...

Saturday, January 29, 2011

À Você.



Sentada sob uma arvore genealógica
As sombras que as folhas faziam em seus cabelos
Rastejam pela minha memória
Enquanto eu me rastejo para ela.

Os dias quentes
Cujo calor não nos incomodava tanto
Como incomoda hoje
Havia algo a mais para nos importarmos
Impregnado no cheiro das roupas e nas pombas negras
Impregnado nos olhares das janelas.

O céu azul, eternamente azul
Enquadrando os prédios novos, velhos e coloridos
Sonhos de cárcere na nossa liberdade concedida
Hoje o ontem parece tão inalcançável e tão familiar.

Apático, como a sua tentativa de sorriso apático
Talhando uma imagem de santa
Imitação bem planejada da minha expressão alheia
Tão famosa e bem distribuída que eu voltaria atrás
E pediria desculpas a cada uma delas.

Mas para ela, que foi duas em mim,
Assinalo o meu agradecimento por todas as surras,
As lágrimas salgadas e oceânicas,
Espécie tão fina e comum de sofrimento
Absorvidas pelo meu corpo, guardadas no meu coração.

A ela, perpetuamente acomodada nas pedras
Naquela arvore foram escritas nossas iniciais
Mas nós duas jamais saberemos disso
Para nós eu deixo os momentos
Nunca apagados ou esquecidos
Do que um dia eu pensei termos sido.