Tuesday, May 05, 2009

Antigo.



Ele morava em uma casa antiga.
Centenária, em uma rua antiga, no centro daquela antiga cidade.
Seus pais também eram antigos, velhos e tardaram a morrer. A casa era herança.
Ele tinha uma filha jovem, recém-nascida e uma esposa dedicada e juvenil.
As paredes desbotadas de sua moradia arcaica, certa noite, desabaram seus tijolos seculares sobre a jovem família do rapaz. O sangue manchou o lençol branco da cama que, há muito tempo, fora de seus pais. A negra poeira nos móveis grudou nas lágrimas do homem que sentou na calçada defronte a sua porta rachada. Sentou e se esqueceu de sua existência.
Nos primeiros meses, ainda era possível flagrá-lo piscando ou bocejando. Costumava murmurar palavras incompreensíveis quando esbarravam nele por descuido. Com o passar dos anos, o pó acumulado em suas feições criou uma camada rígida e lisa sob sua pele. O homem que nasceu naquela casa antiga, filho de pais antigos, tornou-se uma antiguidade. Décadas após o desmoronamento, o terreno foi demarcado e sobre as ruínas de uma longínqua vida foi criada uma nova casa. A estátua que se tornou, foi depositada cuidadosamente na sala de estar e era apreciada por todos os convidados que por ali passavam. Menos pelos dois filhos dos anfitriões que, afirmavam convictos, era uma estatua mal assombrada. As crianças ouviam o choramingo discreto do homem petrificado nas madrugadas frias e atormentavam os pais com seus pesadelos. A estátua foi vendida. E voltou a causar calafrios nos donos da casa de penhor. Sua insustentável tristeza transbordava e, com o tempo, lágrimas passaram a escorrer de sua face cinza. O homem passou a atrair uma grande clientela para o estabelecimento por conta disso. Mostrar o sofrimento alheio é sempre um grande negócio e, pensando dessa maneira, o dono de um show de horrores comprou a peça. “A estátua que chora. Aproximem-se e ouviram a única rocha com coração no mundo”. Canais sensacionalistas de televisão se amontoavam para filmar a sina do homem estátua. ONGs protestavam. Religiosos também. Um grupo de arqueólogos, na madrugada gelada, invadiu o circo e raptou a estátua. Queriam saber qual era sua origem e se sua venda lhe dariam algum retorno monetário. O cobiçoso dono do show de horrores disparou seu revolver. O silencio noturno deu lugar ao eco dos tiros e o eco dos tiros foi quebrado pelo agudo grito de dor emitido por detrás da fina camada em que se ocultava o corpo do homem. O sangue escorria por entre as rachaduras e regava a terra fria. Os cacos se espalharam, mas não se via ossos ou pele entre eles. Escondida entre os destroços ensangüentados, uma lágrima refletia à luz do luar.

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