Thursday, November 15, 2007

A Lombriga de Luíza




Daquele tipo de amor que só reservamos para a pessoa certa. Entre todas as faces tristes e pintadas nas ruas só uma será digna de recebê-lo.
Entre todos os olhos murchos e frios, entre todas as vísceras possíveis, foi justo nas de Luiza que se plantou a semente maldita.
A semente concebida a partir do mau hábito de comer terra. O croque-croque dos grãozinhos moendo-se entre os dentes e o gosto de pedra preso na língua sempre lhe foram irresistíveis. Não que não a tivessem alertado desde o principio sobre as conseqüências de tal paladar. Mas conseqüências só são conseqüências quando se concretizam.
Concretizou-se uma lombriguinha em suas tripas. E na lombriga de suas tripas, concretizou-se um coração. Um coração humano em um corpo de verme.
Alimentando-se das decomposições e nadando nos azedos sulcos gástricos de sua portadora, veio-lhe a idéia torta e fatal, de que aquele corpo vermelho ao avesso, era na verdade, sua mãe. E amou aquelas estranhas entranhas mais do que a si própria.
Devorava-lhe pequeníssimos pedaçinhos das vísceras, abria túneis para as partes até então desconhecidas daquele gigantesco palácio de carne viva e pulsante. Até que, no meio daquele emaranhado de tripas, descobriu um coração. Um frenético coração gelatinoso e elástico costurado com veias verde azuladas. O coração de sua mãe: Luiza.
E novamente uma torta idéia aflora em seu minúsculo cérebro. Estaria o tão almejado amor de sua genitora escondido no fundo de seu órgão mais pulsante?
Mas uma forte sucção sugou-a para baixo, revolvendo o caminho que havia feito antes, revolvendo entre as fendas abertas por ela no estomago de Luiza, revolvendo para as feridas ainda sangrentas no tecido do intestino, e foi sugada através de um feixe de luz.
Quando se deu por si, estava flutuando em uma água transparente e inodora, muito diferentes dos líquidos gosmentos e nauseabundos aos quais estava acostumada. E numa distancia inatingível para ela, estava sua amada mãe, olhando-a com uma cara asquerosa.
E foi olhando-a com todo o desprezo que se pode oferecer á um verme, Luiza puxou a cordinha da descarga.

1 comment:

Paco Bernardo said...

Identifiquei-me com o verme.