Tuesday, February 10, 2009

Humanidade.



O homem que queria conhecer o outro lado da rua construiu uma escada de ilusões e esperanças. Um muro milimetricamente planejado cortava verticalmente a rua e era grande o suficiente para impedir a visão de curiosos de ambos os lados. Entretanto, era inevitável não ouvir os rumores sobre o motivo e a mando de quem havia se construído tal fronteira. Enquanto uns diziam, com acreditável convicção, que por detrás dos tijolos e do concreto havia uma raça de humanóides inteligentes que, visando perpetuar tal característica comum apenas á eles, construiu o muro segregando os habitantes vizinhos. Outros, mais céticos, espalhavam pelas mentes desavisadas, que tal construção fora feita a mando do prefeito que o construiu em homenagem a todos os muros do Planeta e pretendia batizá-lo com o nome da primeira dama, morta em um acidente em que seu carro colidiu violentamente contra um muro. Entretanto, tal informação jamais pode ser confirmada. O prefeito nunca atendia ao telefone, pois estava eternamente de férias. Havia também os incrédulos em tudo menos em suas próprias crenças. Estes passavam ao lado do muro com indiferença e outorgavam á Deus a construção e os motivos de tal fronteira.
O Homem, fascinado com a magnitude e a perfeição vertical, coletou todas as dúvidas e anseios dos morados locais e, amarrando-as em tábuas confeccionadas por suas próprias mãos, encostou sua escada de existências entre os tijolos. Conferiu se estava devidamente firme e pôs-se a subir o primeiro degrau, carregando consigo o peso da humanidade. De degrau em degrau, aprendeu a fazer o fogo, a manusear pincéis, a escrever e compartilhar suas palavras. Passou a ter família, cachorro, dinheiro. Aprendeu a beber nos domingos e ir ao banco nas segundas-feiras. Quando clonou e eternizou seus filhos, revestiu seu corpo de circuitos e fibra óptica, percebeu que após construir tantos degraus havia se esquecido do último e que, apesar de todas as suas descobertas, jamais encontraria uma resposta definitiva para suas perguntas. O último degrau o levaria, sem muito esforço, para o fim do muro. Na falta dele, o Homem fez o que sempre pôde fazer: deu um salto alucinadamente arriscado rumo ao nada. E, agarrando-se cambaleante ao muro, percebeu que havia derrubado sua escada no impulso para saltar. Pendurado pelas duas mãos olhou para baixo e, ainda que não a visse mais, ouviu o estrondoso som que a escada fez ao chegar ao chão. Com um salto experiente, o Homem equilibrou-se em cima do muro e, perplexo com a dimensão de sua busca pelo indefinido, atirou-se rumo ao abismo desconhecido.

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