Tuesday, February 03, 2009

Ludmila


Ludmila acordou com a sirene fanha do despertador. Abriu os olhos e esperou até que as imagens embaçadas em sua vista formassem os fios de luz do amanhecer sob sua janela. Suas mãos precoces tatearam o lençol da cama em busca de algum pedaço de chocolate esquecido na noite passada.

Levantou, vestiu-se com as roupas largas e desbotadas que herdou de sua mãe e, ainda desejosa de açúcar, foi até a cozinha preparar um leite morno para começar seu dia quente. O calor escorria dos fios de cabelo e contornava sua face, formava gotículas salgadas em seu nariz e manchas suaves em sua camiseta. As ruas lotadas, o asfalto fervendo sob o calor de 40º C. Cada passo era meticulosamente calculado, cada espaço era milimetricamente delimitado ainda que todos insistissem em esbarrar em seu ombro. Ás 09h30minh entrava no escritório. Seu relógio marcava 9h29min, engolindo a saliva de ansiedade dos segundos que restavam, Ludmila empurrou, discretamente, a porta enferrujada cujo grunhido ecoou por toda a sala de espera e despertou olhares alheios em sua direção. Na sua mesa, havia fotos de gatos, pombos, ratos e cães, ainda que estes não lhe pertencessem, ela sentia um prazer sincero em alimentá-los nas esquinas sujas da cidade. O ventilador barulhento no teto, além de não ventilar seu suor, a desconcentrava. O tic-tac insistente do relógio que estava, propositalmente, atrasado, lhe deixava nervosa com os papeis acumulados. Ás 18h o expediente terminava. Ás 18h15min era a hora de esperar os gatos saírem de seus esconderijos na praça. Casais de namorados com os braços e lábios entrelaçados passavam e sentavam-se nos bancos ao redor de Ludmila. Os olhares, os gestos, os abraços, os beijos... Ainda que se sentisse melhor sozinha, de vez enquanto, bem de vez enquanto, Ludmila não se importaria em dividir seu coração ou sua cama com alguém. Tanto que, quando ela sentia-se assustada com a escuridão de seu quarto, sempre encontrava alguém que preenchesse, temporariamente, a sua solidão. Mas, em todas às vezes, ela escolhia se isolar. Se isolar, de preferência, no canto esquerdo, do lado da parede, em sua cama. Ludmila enterrava-se entre os lençóis, esticava as pernas, encolhia os braços e abraçava seus sonhos de felicidade durante ás 6 horas que lhe eram permitidas para recarregar seu estoque de tristezas diárias.

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